segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Uma história



Estava no comboio, algures entre o ponto A e o ponto B, que é como quem diz, entre casa e trabalho.
Numa estação intermédia entra alguém que se distinguia pela diferença: vinha numa cadeira de rodas.
Convenhamos que não é habitual ver alguém numa cadeira de rodas num comboio. Não porque não haja quem necessite mas antes porque os comboios suburbanos não são “amigos” das pessoas com necessidades especiais.
Mas menos habitual é que quem vem numa cadeira de rodas chame por nós. Foi o caso: “Olá JC!”
Fiquei com cara de parvo! Quem assim me tratava era uma ex-aluna. Recordo-me de praticamente todos os que passaram pelas salas onde trabalhei, mas desta em particular. E nunca a imaginaria numa situação destas.
Depois das saudações efusivas, apresentou-me à sua mãe, que a acompanhava, e contou-me o que se passava: uma doença de ossos, galopante, em pouco tempo a tinha colocado assim. E, pelo que ambas me contaram, as perspectivas não eram as melhores.
Conversámos mais um nico, sobre generalidades e passado em comum, até chegarmos à estação de destino, por acaso coincidente.
Quando nos despedimos, fez ela algo que não esqueci até hoje:
Com dificuldade retirou uma das luvas que tinha calçada e fez questão de me estender a mão. Para além do fraternal beijo que havíamos trocado.
Percebi rapidamente o porquê: “desnudava-se” assim perante mim, mostrando-me aquilo que escondia de todos os outros, a mão deformada pela doença. Que fazia adivinhar todo o resto e o que isso implicaria.
Este gesto de tamanha confiança foi algo muito para além da cumplicidade que poderíamos ter criado enquanto aluna/professor. Espero que a minha expressão então não tenha denunciado o que aquele “adeus, talvez para sempre” significou e calou fundo em mim. E ainda hoje sinto.

Quando hoje vejo jovens com luvas, com ou sem bonecada, lembro-me sempre desta minha amiga, que outro nome não poderei usar. Mesmo que passados uns 15 anos e dela nunca mais ter sabido.
Onde quer que estejas, espero que estejas bem!



Nenhuma imagem concreta seria suficiente explícita para esta crónica.

By me

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