Àquela hora e
naquele dia a estação do meu bairro estava quase vazia. O que fazia aumentar a
solidão daquela senhora.
Bem idosa, sentada
num banco, tendo à sua frente, junto à beira do cais, a sua bagagem: um saco de
desporto com alça de ombro, dois sacos de ráfia plastificados, um trólei de
compras. Qualquer deles bem cheios.
Um conjunto de
volumes que seria demais para qualquer pessoa, muito demais para aquela idosa
ali sentada. Sozinha.
Não gostei.
Não sabia dos
motivos da solidão ou do carrego, mas não gostei.
E deixei-me ficar
por perto, sem me intrometer. Em chegando o comboio logo ofereceria a minha
ajuda. E sendo certo que eu sairia na última estação e não estava com pressa,
alguma ajuda daria no desembarque, onde quer que fosse.
Na conversa já a
bordo fiquei a saber que ia para o norte ter com família, mudando de comboio na
estação do Oriente. E que fazia aquilo com frequência, incluindo o carrego, que
aos poucos ia-se mudando daqui para lá. Só que, desta vez, havia tido mais
olhos que barriga e no lugar do dois do costume acabara com quatro.
Em chegando à
estação de destino comum, ajudei a descer e a instalar-se onde iria esperar
ainda mais de uma hora pelo que a levaria lá para a terra.
Na despedida ouvi
o que já não ouvia há muito. Muito mesmo:
“Obrigado pela
ajuda. Não quer ir ali beber uma pinguinha?”
Não sei se se
referia a uma pinga de vinho, se de cerveja, se de água. Mas a partilha ou a
oferta de líquido – seja qual for – como forma de recompensa ou gratidão é algo
ancestral, raro nos tempos que correm. Mesmo que o corpo humano seja composto,
como é, de tanto líquido.
Recusei,
naturalmente. Mas com receio de a minha recusa a ofender, tanto mais que
aparentava estar menos que bem de dinheiro. Mas insistiu, numa sincera vontade
de oferecer.
Desculpei-me com o
facto de ir trabalhar em seguida (verdadeiro) e de não beber em trabalho
(igualmente verdadeiro).
O seu sorriso foi
de imediato explicado:
“Entendo. O meu
falecido marido, que trabalhava aqui na CP, fazia o mesmo. Obrigado de qualquer
modo”.
Juro que aquele
dia feriado me correu bem melhor do que esperava!
By me
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