A história é
velha. E, se bem a recordo, eu frequentaria então o que hoje chamam de sexto
ano.
Quando entrei para
o segundo piso do autocarro já a barraca estava armada: o cobrador, com a sua
mala de trocos e alicate em riste, exigia o pagamento do bilhete e a senhora,
revirando a sua mala, argumentava que teria deixado o porta-moedas em casa.
O argumento não
convencia o façanhudo funcionário da Carris, que ameaçava com uma ida à
esquadra para resolver a questão. E as lágrimas já corriam na cara da senhora.
Achei eu que
esquecer o porta-moedas é legitimo e nada meritório de tal tratamento. E,
enchendo-me de uma coragem que desconhecia, tanto mais tendo a idade que tinha,
ofereci-me para pagar o maldito bilhete, usando para tal a minha parca semanada
ou os trocos do lanche, já nem sei.
O bilhete foi
pago, o cobrador foi ameaçar outros com o tirânico alicate e a senhora veio
falar comigo. Não sei já o que conversámos, mas recordo o onde ela saiu (no
Pote d’Água) e o onde eu saí (no Júlio de Matos).
Este episódio
ficaria esquecido algures na minha memória, que o não contei em casa, não fora
o que se lhe seguiu, uma semana ou mais depois.
Vinda pelo
correio, uma carta para mim, com remetente de uma pessoa desconhecida, o que
provocou um natural sururu lá em casa.
Com um sobrescrito
do tamanho de um cartão de visita, continha um desses cartões em que no verso
estavam escritas umas palavras de agradecimento. E soltos no interior alguns
selos de correio, cujo somatório correspondia ao preço do bilhete que eu havia
pago.
No meio de tudo
isto, o que é realmente estranho e que me marcou até hoje foi a atitude da
senhora, cujo nome nunca memorizei. Que o jogar a mão no quente do evento e
obedecendo ao instinto acontece com qualquer um. Basta estar por perto e poder.
Agora reagir desta
forma, deliberadamente, num agradecimento que lhe deu trabalho… Isso é que é
raro de ver. E de saber, acrescente-se.
Passado que vai
todo este tempo, este é daqueles episódios que não esqueço e que ajudaram a
moldar o que sou ou fui.
Nem esqueço o
alicate.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário