segunda-feira, 31 de março de 2014

Há dez anos



Há dez anos verberava eu assim.
Hoje continuo a pensar exactamente do mesmo modo.
Ou eu cristalizei ou os motivos mantêm-se, tanto para dizer sim como para dizer não.


Há quem vá a Fátima ou à Zambujeira. Todos os anos e nas datas previstas. Eu prefiro ir a Braga.
A Braga e a Coimbra.
Não se trata de uma questão de fé nem da manutenção de uma rotina. É mesmo uma necessidade de lá ir, naquelas duas alturas do ano. À procura de alimento. Para a alma.
São os Encontros de Fotografia de Coimbra e os Encontros de Imagem de Braga.

Não só são uma justificação para fazer umas mini-férias de três dias como vou beber nos trabalhos de outros inspirações para os meus.
Estas minhas romarias são, pouco mais ou menos, como quem bebe café quando tem sono. Vou até lá para espantar o marasmo fotográfico da rotina casa-trabalho-casa-trabalho, sempre com as mesmas paisagens, sempre com os mesmos encontros.
Os locais, as gentes, a luz, as situações, nas suas diversidades diárias acabam por ser um rame-rame quotidiano, em que a capacidade de um se surpreender e se agradar diminui francamente.
Estes retiros visual-espirituais permitem-me durante alguns dias ter a imagem, nas suas diversas vertentes, como o objectivo primordial. O mundo e o Homem, vistos por outros olhares, escritos por outras penas.

Vou ali limpar as lentes do meu cristalino, sacudir as poeiras do meu córtex, desenferrujar as articulações do meu digito virtual.
Os choques térmicos, lúmicos e hídricos das entradas e saídas das salas de exposição, o percorrer os becos, vielas e praças já conhecidas e ir constatando as mudanças que o ciclo solar lhes imprimiu, o sentar na mesma esplanada ou restaurante e olhar com cumplicidade para os empregados e clientes que mudaram mas são os mesmos…
Todas estas pequenas mudanças mais não fazem que reforçar o choque vitamínico de imagem que nestas duas cidades vou receber duas vezes por ano.

Aqui ao pé da porta tenho um evento igualmente importante no contexto da fotografia: o World Press Photo. Mas recuso-me a lá ir. E, quando dava aulas, desaconselhava os alunos a lá irem.
Quem ninguém se engane: a qualidade das imagens aqui apresentadas é elevada, na sua maioria. Ver esta exposição é sempre aprender um pouco mais sobre o género humano, como se comporta e como vê.

Mas não contribuo, com o valor do meu ingresso e com a minha presença nas estatísticas, para um evento onde a maioria das imagens expostas são sobre violência.
Violência da natureza, violência dos azares, violência do homem. Calamidades, acidentes, guerras e assassínios, são os temas maioritariamente tratados nas imagens ali expostas. Porque foram as imagens seleccionadas pelos editores das publicações para fazerem capas ou páginas centrais. E são essas que vão a concurso.
Como se as emoções humanas se restringissem à dor e ao sofrimento.
Esta visão do ser humano não pode nem deve ser A visão.
Pode ser e é UMA visão.
De entre muitas existentes. Que muitos milhares de fotógrafos de qualidade, amadores ou profissionais têm vindo a ter ao longo dos tempos.


Assim, prefiro ir uma vez por ano a Braga e a Coimbra, ver e pensar fotografia no seu todo. Coisas boas e coisas más, tudo à mistura, como a vida realmente é.

By me

1 comentário:

Anónimo disse...

Para quem vai a Braga fica a sugestão...
http://www.diario.roteirooficinaldoporto.com/post/61605077247/noventa-e-seis-mil-maquinas-fotograficas