quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ali, no cantinho

Acredito que a grande maioria dos que vêem esta imagem não saiba do que se trata.
Situado na Praça da Viscondessa dos Olivais, quase no limite Este de Lisboa, num cantinho entre as traseiras da igreja de Santa Maria dos Olivais e um quintal de uma casa em ruínas, agora ocupada como dormitório de sem-abrigo, olhando para o fontanário e o coreto quadrado que dominam o largo e vendo, por uma nesga entre dois prédios, a modernidade da Ponte Vasco da Gama e a Gare do Oriente, fica este urinol público.
Não sei quando terá sido construído, mas pensando que a maioria do casario desta praça, excepção feita à igreja, remonta a meados e finais do séc. XIX, e olhando aos materiais de que é feito, acredito que tenha sido uma das intervenções municipais do início do séc. XX.
Quem por aqui passar terá que o procurar com algum afinco, já que se encontra escondido pelos carros que quase o escondem, obrigando a alguma ginástica para a ele aceder. O que, diga-se em abono da verdade, pouco incomoda: pelo aspecto e ausência de odores óbvios, não é usado na sua finalidade original faz já muito tempo.
Como se usava? Bem, os homens entravam pelo lado de lá, que a chaparia é aí aberta, e aliviavam-se contra o poste de pedra que ocupa o seu centro, protegidos dos olhares indiscretos. Claro está que não sei o que aconteceria em dias de feira, missa dominical ou semelhante, com grande afluência: ou bem que se aguardaria vez ou corria-se o risco de ser alvo de uma pontaria menos afinada, se vários ali estiverem em simultâneo.
Olhando com atenção, por dentro e por fora, pouco se lhe encontra de ferrugem, e o matagal em redor está reduzido às ervas rasteiras que se vêem. O que me leva a concluir que alguém vai mantendo como possível este resquício do passado.
Só conheci um outro, idêntico na forma e função, em Lisboa, ali à entrada do Castelo de São Jorge. Já não existe. E, a menos que haja mais algum igualmente escondido, será este o último da sua espécie. Os seus mutantes descendentes, encontram-se nos cafés e centros comerciais, que se outra utilidade pública não tiverem, pelo menos servem para alívio dos cidadãos.
Espero que este último urinol público não seja devorado pela voragem dos especuladores imobiliários e que, se o local for transformado em dormitório ou torre de serviços, haja o bom senso de o preservar, senão neste local, pelo menos onde a memória se não apague.
Pelo que é e pelo casario que resta em redor, recomenda-se uma visita. Se não para alívio das partes baixas, pelo menos para enriquecer a alma.


Texto e imagem: by me

1 comentário:

Grito disse...

Olha, eu sei do que se trata, mas o único que me vem à memória e que pensei ser este é o urinol que existe perto da entrada do castelo de S. Jorge, também em lisboa.
Que este exista nos Olivais junto à Igreja é para mim uma grande novidade! Terei, um dia, de lá ir espreitar... a ver se o tempo já removeu estes "testemunhos" de uma outra sociedade...
Convenhamos que os homens gostam de urinar por todo o lado e contra tudo e mais alguma coisa. Hoje em dia podem fazê-lo que não são tão perseguidos mas tenho cá para mim que mesmo tendo um destes disponível, preferem uma esquina abandonada, o muro de um sítio qualquer, um tronco de árvore...
Como se nunca tivessem sido apresentados à civilização.