Em primeiro lugar, nunca percebi o que terão contra os cães.
Poderia ser furaleão ou furagato ou até furabarata, bicho de que ninguém gosta.
Mas insistem em chamar-lhe furacão e no entanto toda a gente gosta de cães e
faz fotos e textos fofinhos a seu respeito.
Agora falando a sério, acontece hoje, tal como durante a
noite, uma sensação de coito interrompido.
Porque, finalmente, iriamos entrar na primeira liga dos
países que têm fenómenos climatéricos bem adversos, com listas de danos e seus
custos, vítimas (muitas) a sepultar, apoios internacionais… e no fim de contas,
acabou por ser o equivalente a uma noite bem invernosa, apesar de poucas
inundações. Estas sim, bem típicas cá do burgo, com as nossas linhas de água
interrompidas por construções aprovadas, sargetas entupidas, lojas abaixo do
nível do solo ciclicamente afogadas…
E ficaram todos frustrados, público em geral e media em
particular, porque os avisos da protecção civil, baseados em previsões, não se
concretizaram. Os ventos não foram assim tão fortes, os directos não mostraram
assim tantos estragos, as protecções individuais acabaram por de nada servir…
Avisam todos esses frustrados do desastre, os falidos da
calamidade, que a história do Pedro e do Lobo, sendo uma fábula, não pode ser
esquecida. Que os alarmes não devem ser maiores que os danos, que em breve
ninguém acreditará nos avisos, que as instituições e os media devem ser mais
comedidos…
Pergunto o que diriam todos esses, e os outros, se a
situação fosse a inversa. Se os avisos e alertas de protecção não existissem ou
fossem mínimos, pese embora os indícios e previsões fossem indicadores de
catástrofe iminente. Se, por falta de alertas e com uma tempestade violenta, no
lugar de algumas dezenas de desalojados, os tivéssemos aos milhares, se as
escavadoras estivessem agora à procura de corpos, se o presidente não tivesse
mãos a medir nos abracinhos de consolação.
Diriam os críticos de hoje que os serviços não funcionaram,
que haveria que demitir os técnicos responsáveis e os políticos que os tutelam,
que se poderia ter feito muito mais na prevenção…
Sim! Os jornais e televisões não deveriam estar tão sedentos
de sangue, quase chorando de raiva por não terem ou quase não terem assunto
para falar ou mostrar. Deveriam, antes sim, estarem satisfeitos por os alertas
terem funcionado, os cidadãos terem respondido positivamente e as consequências
funestas, pese embora os elementos não se terem manifestado com a violência
antecipada, terem sido bem menores que o temido. A comunicação social, no seu
todo, fez um mau serviço.
Mas se não gosto dos arautos da desgraça, porque o pessimismo
agudo é uma doença contagiosa e mortal, o certo é que a inconsciência e a falta
de prevenção primária são tão ou mais perigosas.
Como diz o povo, “Prudência e caldos de galinha nunca
fizeram mal a ninguém!”
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