Recordo que em tempos, talvez que nos anos setenta ou oitenta,
se propôs a criação de um cartão único.
A ideia, semelhante à do cartão do cidadão actual, era
convergir num só cartão toda a panóplia de cartões que se transportava, desde a
segurança social ao de identificação, passando pela carta de condução etc.
Na época, a ideia foi rechaçada com o argumento que tudo
isso num só arquivo e documento iria perigar a privacidade dos cidadãos e
permitir que entidades menos éticas tivessem acesso a dados sensíveis sobre
eles.
O tempo passou e aquilo que então se apresentou e recusou é
hoje uma realidade. Com os mesmos perigos inerentes.
Sabemos que as bases de dados electrónicas não são invioláveis.
Sabemos o apetite que empresas e organizações têm por essas basas de dados. E
como o acesso a elas pode fazer perigar o acesso a serviços, como bancos,
seguros, saúde… Até a empregabilidade e a sobrevivência de cada um pode ficar
comprometida.
Fiquei agora a saber que o número de eleitor foi extinto.
Uma lei (ou decreto lei, não sei já) datada de agosto deste
ano, extingue esse número e o respectivo cartão. Mais uma informação que fica
concentrada no cartão de cidadão e nas bases de dados estatais. E, muito
naturalmente, acessível à leitura de quem possuir o respectivo leitor e
software de interpretação. E, sabemos, esse tipo de acesso está ao alcance de
quem o queira saber e tenha os contactos certos.
Em breve, e numa perspectiva Orweliana, a privacidade do
cidadão será algo do passado, recordada com nostalgia e amargada a sua
ausência.
Para os que acham que é afirmação de um arauto do
apocalipse, recorde-se os recentes e tristes acontecimentos no Brasil e o que
foi feito sobre cidadãos que publicamente declararam a sua oposição a
Bolsonaro. Ou ainda, mais drástico e não tão assim distante, o uso de números tatuados
e ficheiros na Alemanha nazi.
Sendo certo que nenhum objecto é por si só perigoso, é o seu
uso por gente sem escrúpulos que me assusta. E cada vez mais essa gente vai
ganhando importância na sociedade, não apenas nos lugares decisórios como entre
os “comuns mortais”.
E pese embora termos por cá uma entidade intitulada “Comissão
Nacional de Protecção de Dados”, a sua opinião é apenas isso – opinião. Não é
vinculativa e não pode impor ou impedir. Pode fiscalizar, pode sancionar se for
o caso e só alguns casos. Mas o seu papel ético é limitado.
Aos poucos, sob a égide deste ou daquele governo e com o
recurso às actuais tecnologias, vamos perdendo a privacidade, ficando cada acto
registado sem o sabermos e com consequências que apenas podemos imaginar. E
temer.
Na imagem, que foi roubada da net, um dos agora raros
conjuntos de placas para tatuar prisioneiros no campo de Auschwitz.
By me
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