A história
passou-se aqui mesmo, em frente a este centro comercial, em Lisboa.
Junto à porta vi
um homem, na casa dos trinta e poucos anos, cego, com um comportamento de
desorientado. A forma como dava meia dúzia de passos para um lado, explorando o
chão com a cana, e tentando para outro e outro ainda, sem dar sinais de estar
satisfeito, não enganava ninguém.
Fiquei alerta mas
não intervim de imediato. Todas as pessoas com algum tipo de limitação gostam
de ajuda, mas gostam mais ainda da sua auto-suficiência. E fiquei à espera que
encontrasse o seu caminho. Não encontrou.
Assim,
aproximei-me, ofereci-lhe ajuda e o meu braço e levei-o onde ele queria ir: uma
paragem de autocarro do outro lado da estação ferroviária fronteira.
Pelo caminho contou-me
ele que estava a trabalhar ali perto havia poucos dias e ainda não tinha
certezas nos caminhos e referências. E, nesse dia, havia uma que o estava a
perturbar: um cheiro.
Dizia ele que
havia no ar um odor a cachorros quentes cuja origem não conseguia determinar e
que isso o fazia perder a orientação.
Depois de o deixar
no seu destino, regressei em busca dos cachorros quentes, que não me cheirava a
nada nem os havia visto.
Só ao fim de um
pedaço dei com a coisa: no piso inferior mas a céu aberto havia uma barraquinha
que os vendia, mas completamente fora de visão de quem estivesse onde estávamos:
na rua. E, apesar de passar a seu lado amiúde, nunca tinha dado por ela.
Lembrei-me hoje do
episódio, velho de alguns anos, porque junto àquela mesma porta me chegou o
aroma dos tais cachorros quentes. Que continuam fora do alcance visual.
Estou,
efectivamente, a ganhar uma relação com o mundo que me esteve vedada anos a
fio.
Ainda que, admito,
nem sempre se recomende.
By me
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