Encontrámo-nos
numa espécie de terra de ninguém, um beco com escadas mesmo em frente à
Assembleia da República, e que ainda não tinha sido fechado pela polícia.
Parei eu lá, a
tentar respirar ar puro, depois de ter estado da mini-micro- manifestação em
prol do governo. E aproveitei a sombra para uma pausa e um cigarro.
Ela já lá estava,
também na sombra, e tirou da mala um maço de cigarros, daqueles brancos, longos
e finos. E perguntou-me se eu lhe emprestava o isqueiro.
Isso é coisa que não
faço e disse-lho. E expliquei:
“Não duvido de
ninguém. Mas tenho muita estimação neste isqueiro e um acidente acontece a
qualquer um. Caindo, lascaria o lacado preto que tem. Mas não importo nada de
lhe dar lume.”
Riu-se, acendi-lhe
o cigarro e aproveitei o ensejo: “E, em troca, posso fazer-lhe uma fotografia
dos olhos? Só os olhos!”
Anuiu, um pouco a
custo, depois de me perguntar porque a queria eu e de ouvir que gosto de
fotografar olhos bonitos. E ficámos um nico de conversa, que é o que acontece
quando se partilham cigarros, lume ou fotografias.
Disse-me que esta
era a sua segunda manifestação. A primeira fora a da “geração à rasca”. Mas que
agora estava ali em prol da democracia e do governo.
E fui-lhe
respondendo, tentando explicar-lhe o que é democracia e vontade popular, o que é
a diferença entre alternância e alternativa, perguntando-lhe se estava bem na
vida, como aparentavam os poucos da manifestação onde queria estar… Não tinha ela
muitos argumentos para me contrapor.
Os cigarros
acabaram, os corpos agradeceram o fresco da sombra, e eu tinha que ir
fotografar, que era para isso que ali estava. Separámo-nos com sorrisos de uma
cumplicidade efémera.
Umas duas horas
depois, enquanto acendia um cigarro, creio tê-la visto no meu lado da
barricada, no meio de toda aquela gente que transbordava pacificamente do
espaço que lhe fora reservado.
A sua fotografia?
Não estavam à
espera que aqui a mostrasse, pois não?
By me
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