O texto tem
exactamente dez anos. Publicado assim, e com esta imagem.
Fala ele de uma
senhora que conheci então no meu bairro.
Mas bem que
poderia ter sido escrito hoje, sobre muitas outras senhoras de muitos outros
bairros.
Não é nem nova nem
velha. É, apenas!
Mas era. Era
professora e o marido era engenheiro. E os filhos eram adolescentes. E a saúde
era gratuita. E a educação era para todos.
Era o dinheiro na
carteira e eram as vitrinas a exibirem montras de nada.
Eram as mentes
quase vazias e as bocas eram fechadas, que os ouvidos eram muitos e eram
denunciantes.
Era um ditador que
mandava e os esbirros eram bons executantes.
Não é nem nova nem
velha. É, apenas!
Mas é. É atrás de
um balcão e o marido é entre ferrugem e ferramentas. E é avó – é tele-avó. E as
seringas são folheadas a ouro e os livros são inatingíveis.
São os bolsos
vazios e são as montras cheias. E é um salário para pagar o aquecimento.
São as cabeças
cheias de ideia belas, e são as bocas escancaradas e surdas para ouvidos que
são generosos mas não falam.
O ditador é de má
memória e os esbirros são vagas lembranças.
Foi uma revolução
de logística e estratégia.
Cada vez melhor
sentados, esses estrategas definiram movimentos e avanços. Ao toque de uma
tecla ou ao balancear um manípulo ficcionaram cenários e adversários, semearam
balas e colheram cemitérios.
Instalado na
tele-plateia, o público global assistiu na pantalha ao fim tétrico de uma
fábula de encantar. Só mesmo ao cair do pano se viu quem era o lobo mau e como
tinha consumado a violação da inocente mole de vítimas.
Com o finalmente
exibido exorcismo de um sistema caduco, os shares subiram e os tele-ídolos
consolidaram-se.
De uma trincheira
ou varanda, via satélite ou repescadas do fundo de um rio, as imagens da queda
de alguns regimes alimentam os media e asseguram a manutenção da calma no
rebanho que vai sendo pastoreado aos poucos para que continue a fornecer a lã
com que uns poucos se vestem.
O preço da
liberdade vai assentando em louros, peças e tumbas. Louros em que cabeças,
peças sobre quê e tumbas de quem? E liberdade onde?
Não é nem nova nem
velha. É, apenas! Uma migrante.
(foto - Robert
Frank, Londres, 1951)
By me
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