quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Plink



Com o passar dos anos e a manutenção de interesses e actividades, acaba-se por coleccionar situações menos comuns. Dirão alguns que únicas, pela sua raridade. E esta foi uma delas que, apesar de já dela ter falado, aqui fica de novo. A limpeza de equipamento recordou-ma.

Naquele dia saíra de casa para tomar a bica matinal. O costume.
Como de costume também, levava comigo uma câmara fotográfica.
As mais das vezes levo uma de bolso. O trajecto é pequeno, a rua é sempre a mesma e nem sempre cruzo a porta de casa com uma ideia definida. Mas como elas surgem vindas quase do nada, vou sempre prevenido.
Outras vezes levo uma DSLR pendurada no ombro. Ou porque a luz está apetitosa, ou porque tenho qualquer coisa a fazer-me comichão nos neurónios, ou apenas por palpite.
Nesse dia foi por palpite, sem nenhum outro motivo específico.
E foi também por palpite que, em saindo do prédio, no lugar de virar para o café, virei para o lado oposto. Alguma coisa me dizia que indo até à ponta da rua seria fotograficamente compensador.
Foi, mas não da forma que pensava.
A meio caminho, seguindo pelo passeio e olhando para coisa nenhuma ou para tudo em profundidade como sucede nessas alturas, ouvi um “Plink”. Demasiadamente forte e perto para ignorar.
Olhei e vi: tinha o filtro “UV” da câmara estalado.
E estalara porque, de sob a roda de um carro que acabara de passar, saltara uma pedrinha, minúscula, que embateu em cheio no bendito filtro, partindo-o. Deixando-o no estado em que se vê.

Desde que me conheço ligado à produção de imagem que vou cuidando do equipamento. Não o trato como se de peças raras de um qualquer cristal afamado fossem. O que tenho é para ser usado. Mas cuido do que tenho ou uso com o cuidado necessário à sua preservação e bom estado de funcionamento.
E uma das coisas que aprendi desde cedo foi a usar um filtro protector nas objectivas. Em todas as que possuo e em que é passível de colocar um, está lá.
É discutível este hábito. Alguns argumentam, e com motivos para tal, que um filtro óptico é isso mesmo: filtra a luz. Por muito neutro que seja, retira sempre algo à qualidade da imagem, quer seja por reter algumas das radiações luminosas, quer seja por alterar o percurso da luz, deteriorando a nitidez da imagem resultante.
De algum modo têm estes razão.
Mas pertenço eu ao grupo que argumenta a favor. Estes filtros são da melhor qualidade possível, reduzindo em percentagens ínfimas a nitidez, sendo o tipo de radiação que é retida, na casa dos ultravioletas, negligenciável e, por vezes, prejudicial. Mas, mais importante que tudo o mais, é o filtro a área de vidro da objectiva que está exposta aos elementos – poeiras, água, gorduras – e que tem que ser limpa. E, por muito cuidado que se tenha, algum risco mínimo sobrevém dessa limpeza. E esses sim, são prejudiciais à qualidade da imagem resultante. Além do mais, e por muito cuidado que se tenha, um toque ou pequena pancada acaba sempre por acontecer e, havendo filtro, é nele que sucede.
E convenhamos que é bem mais fácil e económico, ao fim de alguns anos, substituir um filtro que já não se encontra em bom estado que toda a objectiva.
Abençoado filtro que trazia naquele dia. Que me poupou à despesa de uma objectiva nova.

Esta fotografia já tem uns anitos e é irrepetível. Guardei o filtro, assim partido, para servir de testemunha de um acontecimento raro. Mas, passados tempos e com o manuseio, acabou por se desmanchar, sobrando pequenos pedaços de vidro e um aro. Os primeiros foram fora, o segundo está ali guardado, na gaveta das coisas velhas e disfuncionais, que nunca se sabe para que poderá vir a servir.


Já a memória e a estória, essas, ficarão para sempre naquele cantinho das coisas raras que qualquer fotógrafo tem.

By me

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