quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Liberdade central



Com a idade vamo-nos repetindo. Ou por falta de imaginação ou por termos encontrado expressões válidas ou completas para as situações que vamos vivendo.
Tenho usado, desde há anos e uns milhares de vezes, a pergunta:
“Foi à tropa? Não!? Mas se tivesse ido, certamente que seria atirador especial.”
Isto ao mesmo tempo que olho para o enquadramento (fotográfico ou videográfico) que me apresentam.
Esta pergunta, irónica como se deduz, resulta de ver o centro de interesse da imagem bem no meio, bem no seu centro. Por vezes, daria para o usar a descrever uma circunferência bem simétrica às bordas da imagem.
Este tipo de composição é, as mais das vezes, de evitar. Dizem as regras estéticas, bem como o resultado de diversas pesquisas de opinião feitas por especialistas, que o centro da imagem é um dos locais mais aborrecidos e com menos força de uma composição e que se aí colocarmos o assunto principal, ele perderá importância perante outros elementos colocados em linhas fortes ou algures ao longo ou no fim de uma linha de fuga.
Entendamos, no entanto, algumas outras coisas.
1 – Estes conceitos de estética ou de “agrado” generalizado são fruto de uma cultura, neste caso a ocidental, nascida no extremo leste do Mediterrâneo. Outras culturas, com outras origens e com outros desenvolvimentos, têm outras soluções. E, consequentemente, outras “regras estéticas” e outros “agrados” generalizados.
2 – Tal como ouvi a um ilustre mestre na minha juventude, “As regras existem para serem quebradas”. E isto é válido na vida em geral e na comunicação visual em particular.
Usar o centro da imagem, ou o centro de linhas verticais ou horizontais, para lá colocarmos aquilo para onde queremos que o espectador olhe com mais intensidade (ou que dali retire a principal mensagem da imagem) pode ser um erro. Mas sendo que isso é ditado pelas “regras”, invertê-las ou subvertê-las pode ser uma forma adicional, pelo incómodo, de chamar a atenção para um dado pormenor. São abordagens de excepção mas que, se bem usadas, são de eficácia comprovada.
3 – Por muito importantes que possam ser as regras de composição, tão ou mais importante é o autor sentir-se realizado com o que cria. O ponto seguinte, mas só o seguinte, será o de conseguir ou não comunicar com os demais humanos. E isso depende, p’la certa, do contexto cultural em que se concebe a imagem e em que ela é vista.

Porquê de tudo isto?
Bem, um destes dias sugeria a alguém que fizesse uma fotografia de mim, comigo bem ao meio. O objectivo desse pedido pouco ou nada tinha de estético, mas tão só um exercício de técnica de exposição.
A pessoa em questão franziu o nariz e comentou “Ao meio?!”
Entendo-a! Estamos tão agarrados a regras e estereótipos estéticos que fazer algo que saia do habitual, daquilo que nos ensinaram e daquilo que vamos vendo no cinema, na imprensa, na TV, incomoda e quase que é um insulto ao nosso próprio sentido estético.
Faz falta, no entanto, de quando em vez esquecer o que aprendemos, o que a sociedade nos impõe como “correcto”, e avançar noutras linhas, com outras abordagens. As que nos apetece fazer ou, propositadamente, furando as convenções.
Porque é a partir daí – só a partir daí – podemos com todas as certezas, saber aquilo de que gostamos e aquilo que queremos realmente fazer.

Que liberdade não é palavra vã nem aplicável apenas a conceitos políticos ou sociais. Mas, e tal como nestes aspectos, também começa dentro de nós e nunca decretada por leis e lentes ou imposta por hábitos ancestrais.

By me

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