Há uns anos valentes
estava eu num grande edifício comercial a observar os artigos da secção de
fotografia e sou barrado no caminho por uma senhora.
Já velhinha, de
pequena estatura e cabelo encaracolado e todo branco, pergunta-me se súbito,
olhando para a minha cara bem de frente:
“O senhor é
pintor?”
Fiquei meio
atrapalhado com a situação e respondi com a afabilidade que a situação exigia:
“Não, por acaso
não sou.”
“Ah! Escreverá,
então!”
“Também não.”
“Canta?”
“Lamento mas não.
O mais que faço é fazer umas fotografias.” E como que exibi a câmara que tinha
pendurada no ombro.
“Eu sabia! Um
artista!” E seguiu caminho a sorrir, como se tivesse acabado de ganhar uma
aposta e sem me dar tempo a contestar tal conclusão.
É um dos defeitos
que temos: a necessidade de catalogar, carimbar, identificar o que nos cerca:
pessoas e objectos, actos e pensamentos.
Como se só depois
de ser colocada uma etiqueta a vida pudesse continuar, organizada e tranquila.
E no entanto são
as surpresas, as incertezas, as alterações nunca sonhadas, que provocam os
sentimentos e reacções mais genuínos, mais espontâneos, as alegrias mais
fundas. São o sal que tempera a sensaboria de uma vida linear.
By me
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