terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Velharia



Há uns anos valentes estava eu num grande edifício comercial a observar os artigos da secção de fotografia e sou barrado no caminho por uma senhora.
Já velhinha, de pequena estatura e cabelo encaracolado e todo branco, pergunta-me se súbito, olhando para a minha cara bem de frente:
“O senhor é pintor?”
Fiquei meio atrapalhado com a situação e respondi com a afabilidade que a situação exigia:
“Não, por acaso não sou.”
“Ah! Escreverá, então!”
“Também não.”
“Canta?”
“Lamento mas não. O mais que faço é fazer umas fotografias.” E como que exibi a câmara que tinha pendurada no ombro.
“Eu sabia! Um artista!” E seguiu caminho a sorrir, como se tivesse acabado de ganhar uma aposta e sem me dar tempo a contestar tal conclusão.

É um dos defeitos que temos: a necessidade de catalogar, carimbar, identificar o que nos cerca: pessoas e objectos, actos e pensamentos.
Como se só depois de ser colocada uma etiqueta a vida pudesse continuar, organizada e tranquila.

E no entanto são as surpresas, as incertezas, as alterações nunca sonhadas, que provocam os sentimentos e reacções mais genuínos, mais espontâneos, as alegrias mais fundas. São o sal que tempera a sensaboria de uma vida linear.

By me 

Sem comentários: