sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O botão



Nem todos os dias, às quatro da madrugada e antes de ir trabalhar, se tem inspiração para conteúdos novos. Por isso, quando tal sucede e para manter o fluxo, recorro a textos e/ou fotografias de arquivo.
Calhou desta vez ser um de há seis anos.
Interessante é que, em relendo-o, recordo as circunstâncias, o local, o descrito e o não descrito, os antecedentes e o que se lhe seguiu… a memória é coisa terrível.

O Botão

Talvez por ser onde foi: Coimbra;
Talvez porque o raiar do dia prometia-o bonito e ameno e cumpriu;
Talvez porque a minha própria predisposição me tornasse mais alerta;
Talvez por ser Lua Cheia, ainda que quase ninguém o soubesse em pleno dia…
Certo é que não me recordo de ter visto num dia de Inverno, ainda que apetitoso, tanta gente enamorada em público.
Ele era no comboio, ele era nas ruas, ele era nos cafés, ele era nos jardins, ele era… Por todo o lado se podiam ver pares de todas as idades, de braço dado, p’la cintura ou no ombro, de mão dada a passear, em ternurentos beijos, mais ou menos repenicados… Bonito de ver e capaz de fazer sorrir a alma mais empedernida!
Mas a cereja no topo do bolo aconteceu aí pelas quatro e tal da tarde.
Saía eu de um bar, de ter ido ver uma exposição de fotografia (aliás, o motivo da viajem: várias exposições) e parei na esplanada a olhar para uma janela partida. E oiço, mesmo ao meu lado, uma voz feminina a dizer:
“Oh amor, então tu não sabes pregar botões?”
Surpreso e com a discrição possível, olhei de revés:
Um casal, aí na casa dos 18/20 anos, sentados com imperiais em frente. Terá ele respondido qualquer coisa, que não percebi, mas cujo semblante denunciava algum embaraço, e ela respondeu, no mesmo tom:
“Mas tu, aqui nas calças, também te falta alguns. Deixa ver: um, dois… e atrás, também? Mas é tão fácil: a linha na agulha, num buraquinho, depois no outro…”
Uma outra resposta dele, igualmente em tom sumido, e ela terminou:
“Anda lá! Vamos a tua casa buscar isso e tratamos do assunto na minha. Vais ver que é rápido, amor.”
E, de mão dada, desceram a rampa que, muito apropriadamente, dá o nome ao bar: “Quebra Costas”.
E fiquei eu ali, a vê-los afastarem-se, deixando na mesa as imperiais meio bebidas e a aquecerem, como, eu, ao sol. E, entre elas, este botão.
Ainda estive para os chamar e entregar-lho. Mas depois…
Certamente que encontrarão botões para pôr ou tirar nas respectivas casas, na casa de um ou de outro. E não precisariam de um intruso p’lo caminho.

Fica o botão no meu bolso, para que, em voltando a Coimbra e em os encontrando, lhes faça dele uma oferta.

By me

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