“A máquina
fotográfica” de José Carlos Ary dos Santos
É na câmara escura
dos teus olhos
que se revela a
água
água imagem
água nítida e fixa
água paisagem
boca nariz cabelos
e cintura
terra sem nome
rosto sem figura
água móvel nos
rios
parada nos
retratos
água escorrida e
pura
água viagem
trânsito hiato.
Chego de longe.
Venho em férias. Estou cansado.
Já suei o suor de
oito séculos de mar
o tempo de onze
meses de ordenado;
por isso, meu
amor, viajo a nado
não por ser
português mal empregado
mas por sofrer dos
pés
e estar desidratado.
Chego. Mudo de
fato. Calço a idade
que melhor quadra
à minha solidão
e saio a
procurar-te na cidade
contratada
violenta negativa
tu única sombra
murmurada
única rua mal
iluminada
única imagem
desfocada e viva.
Moras aonde eu
sei. É na distância
onde chego de
táxi.
Sou turista
com trinta e seis
hipóteses no rolo;
venho ao teu
miradoiro ver a pista
trago a minha
tristeza a tiracolo.
Enquadro-te
regulo-te disparo-te
revelo-te
retoco-te repito-te
compro um frasco
de tédio e um aparo
nas tuas costas ponho
uma estampilha
e escrevo aos meus
amigos que estão longe
charmant pays
the sun is shinning
love.
Emendo-te
rasuro-te preencho-te
assino-te
destino-te comando-te
és o lugar
concreto onde procuro
a noite de
passagem o abrigo seguro
a hora de acordar
que se diz ao porteiro
o tempo que não
segue o tempo em que não duro
senão um dia
inteiro.
Invento-te
desbravo-te desvendo-te
surges letra por
letra, película sonora,
do sentido à vogal
do tema à consoante
sem presença no
espaço sem diferença na hora.
És a rota da Índia
o sarcasmo do vento
a cãibra do
gajeiro o erro do sextante
o acaso a maré o
mapa a descoberta
num novo
continente itinerante.
Imagem: by me
Sem comentários:
Enviar um comentário