Num fórum a que
pertenço, li que:
“A arte é uma
impossibilidade, uma coisa inútil. Que alguém me diga como através de alguma
obra de arte conseguiu-se algum objectivo social ou massivo. Que através do
"Guernica" de Picasso (uma das obras mais belas do autor)
conseguiu-se parar alguma guerra. Ou através de alguma foto se obteve algum
tipo de consciencialização de alguma coisa. Fotos são premiadas, obras
(pinturas, músicas, obras literárias o que for) são aclamadas, distribuídas e
visitadas, porém, nossas sociedades se atem a outro tipo de influências onde a
arte está tão longe quanto a bela lua.”
Vou deixar de
parte a enorme dificuldade que eu tenho em saber o que é uma “obra de arte”,
quanto mais uma “fotografia artística”!
Entendo que a
arte, nas suas manifestações efémeras como o canto ou o bailado, nas suas
manifestações portáteis, como a literatura, a pintura e, porque não, a
fotografia, ou nas suas manifestações inamovíveis, como a arquitectura, será o
alimento que nos distingue dos demais seres vivos.
Não será um
quadro, uma balada ou um palácio que matará a fome de quem está a morrer dela.
Muito provavelmente, todo o investimento pessoal e material na sua criação
evitariam essa mesma morte.
Mas quantos são
aqueles que, para se expressarem, para criarem, para conceberem e
materializarem uma obra de arte, roçam o limiar da morte? Quer seja a “fome
física” (veja-se Miró e as suas abstinências quase limite), quer seja a “fome
intelectual”, quase raiando ou mesmo ultrapassando o chamado “limiar da
sanidade”.
Efectivamente, não
será por se ouvir uma sinfonia, ver uma fotografia ou mergulhar num poema que
enchemos a barriga, ou curamos uma doença. Mas, garantidamente, ao
confrontarmo-nos com uma “obra de arte”, aquele outro aspecto de nós, aquele
que não quer saber de comida, de saúde ou de abrigo, se aquece, cresce, alegra
e fica feliz.
Mal comparado (ou
talvez não tanto), e que me perdoem se ofenderei alguma sensibilidade, a arte
poderá comparar-se ao conceito de religião, em que o ir ao templo, o orar, o
possuir um ícone, conforta os crentes, aliviando-lhes a alma das maleitas
terrenas.
O criar ou admirar
uma “obra de arte” tem ou pode ter o mesmo efeito. A paz, o confronto de
ideias, a surpresa de quem vê ou o esforço de quem a cria, com as tentativas e
erros, os esboços, o tempo de meditação em torno da forma ou do conteúdo, tudo
isto de alguma forma conforta a alma, seja qual for o nível de sofrimento
físico que se possua.
Dizer que “A arte
é uma impossibilidade, uma coisa inútil” será remetermo-nos a um estado
meramente animalesco, em que nascemos, crescemos, reproduzimo-nos e morremos. E
nada mais!
Na sociedade em
que vivemos, com o imediatismo dos media e das velocidades de comunicação e de
consumo, a produção e o usufruto da “arte” estão em risco.
Ainda mal acabámos
de ver um quadro, ouvir uma voz ou apreciar um filme, já aí está outro que o
substitui, que tenta ir mais além e vender mais. E aquele que acabámos de ver
já se diluiu confrontado com o novo.
Porque o problema,
se o houver, nos tempos que correm no que à criação de “arte” diz respeito,
prende-se com o seu valor comercial. Produzir e vender!
Tal como a “fast
food”. Comer e defecar. O prazer e a satisfação do palato pouco ou nada contam.
Assim é com as “criações artísticas”. Aos consumidores não é dado tempo de as
apreciarem, de as deglutirem, de as mastigarem e encherem a “boca da alma” com
os seus paladares. Considera-se uma “obra de arte” a que mais zeros tiver no
seu preço e mais guardas à sua volta.
Dir-me-ão alguns
que os escravos que ergueram o que nos resta da arquitectura ou escultura Grega
ou Romana, que os mortos que inspiraram a “Guernica”, que as crianças de dez
anos e que pesam 6 quilos nos terceiros mundos deste mundo e os que desfalecem
a 50 metros de um hospital por não terem como pagar a conta, nada se importam
com a “arte”. Com a “arte” como a conhecemos e aqui a descrevemos. Verdade! Ou
talvez não!
Porque esses
mesmos, nesse sofrimento que só conhecemos por ouvir falar ou pouco mais,
trauteiam uma música, moldam um pedaço de barro ou misturam algumas cores.
Procuram, de alguma forma, materializar o seu estado de alma sem saber o que é
“arte”, “correntes estéticas” ou “galerias e galeristas”. Procuram, desta forma
humilde e nada académica, um escapismo, um exorcismo ao que pensam, sentem e
sofrem. É uma forma de fugir ao mero animal que não somos, é o ultrapassar o
físico em busca de uma outra satisfação de necessidades.
A isto, poderia eu
chamar “uma manifestação artística”, se soubesse o que é arte.
Texto: by me
Imagem: “Cabbage Leaf”, by Edward Weston, 1931
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