quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Securitarismo




Chamem-me lá o que quiserem, mas não gosto disto:
Fazer um pagamento numa loja e as notas que entrego serem objecto de verificação sobre se serão ou não verdadeiras.
É-me pouco importante se usam uma maquineta com raios XPTO, uma caneta com tinta especial ou a unha a vincar o papel.
De cada vez que verificam a legitimidade de uma nota que entrego estão a presumir que poderá ser falsa. Ou, de outra forma, que eu poderei estar a entregar uma nota falsa. Ou seja: estão a pôr em causa a minha honestidade no pagamento.
Não me conhecem de parte alguma, não têm nenhuma pista sobre o meu comportamento, nada indica que eu possa ser um falsário. Apenas desconfiam e confirmam.
Não gosto! Não gosto um nico que partam do princípio que eu possa ser desonesto e que se dêem ao trabalho de verificar se o sou ou não! Não gosto!
Claro que este comportamento não é exclusivo para com a minha pessoa. Nessas lojas todos são tratados da mesma forma. Tal como não se trata de uma iniciativa de quem me atende mas de uma directiva geral, que todos os caixeiros cumprem.
Mas partir do princípio que os clientes são ou podem ser desonestos não é uma forma cordial de fazer negócio. Indo mais longe, entendo que quem desconfia que pode ser burlado é quem na primeira oportunidade fará exactamente o mesmo.

Vivemos numa sociedade em que a desconfiança grassa a cada passo. Neste campo específico como em tantos outros, como os scanners nos aeroportos, as câmaras de vigilância, a obrigatoriedade de identificação nas entradas, o controlo dos negócios com o dinheiro de plástico e as malfadadas facturas…
Este regime securitário e desconfiado vai mais longe, preparando as crianças para o aceitarem como natural, ao implementarem sistemas de vigilância e controlo nas escolas. É o pagamento obrigatório com cartões (e respectivo registo em bases de dados), é o controlo electrónico nos acessos, são os telemóveis com indicação de localização…
A integridade e a palavra de honra, hoje, valem tanto quanto aquilo que deixei numa sanita ontem. Menos, que os meus dejectos ainda podem ser aproveitados para fertilizantes e quejandos.
Um dos argumentos para a manutenção de um estado securitário é – sempre foi – a possibilidade de os inimigos poderem actuar e assim estarmos protegidos. Metem-nos medo com gente sem cara e prometem-nos protecção.
E nós alinhamos no embuste, para gaudio desse tal inimigo, sem nome de baptismo ou rosto. Que é o próprio sistema que provoca o terror, bastando a eles lembrarem, só de quando em vez, que há que não baixar a guarda.
E a honorabilidade ou a confiança no ser humano cede lugar ao receio permanente e ao acreditar naqueles que nos prometem vida tranquila se prescindirmos da privacidade.
Acrescento, para os que possam achar que isto é o discurso da teoria da conspiração ou dum arauto da desgraça, que se olhe a história recente, uns cem anos apenas. Os conflitos quentes e frios. As estratégias e as argumentações usadas antes, durante e depois.

Não me apetece viver assim, sempre a desconfiar e sempre alvo de desconfiança.
Esta não é a forma de viver feliz que idealizo, quero praticar ou deixar aos vindoiros.
Na loja onde ontem fiz negócio fui assim tratado. À semelhança de outras, não prevejo que lá volte.
Posso não conseguir mudar o mundo. Mas tenho a obrigação de tentar.



By me

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