terça-feira, 14 de agosto de 2018

Jornaleiros




No Diário de Notícias de hoje leio o que se segue. Inserido na secção “cultura” e assinado por Isaura Almeida.

“Cena de nudez de Marilyn Monroe descoberta em gaveta trancada há 19 anos
Película foi encontrada por escritor Charles Casillo, durante uma pesquisa para um livro sobre a musa de Hollywood.
Por acaso e durante uma pesquisa para o livro Marilyn Monroe: The Private a Public Icon, que será lançado esta terça-feira. Assim foi descoberta uma cena de nudez da musa de Hollywood no filme Os Inadaptados (The Misfits, de 1961), o último da atriz.
Segundo a revista Deadline, o escritor Charles Casillo entrevistou Curtice Taylor, filho do produtor Frank Taylor, e descobriu que ele guardou a icónica gravação numa gaveta trancada desde a morte do pai, em 1999. Ou seja há 19 anos.
Na cena agora descoberta, Marilyn Monroe contracena com Clark Gable e deixa cair o lençol que lhe cobria o corpo. O que por si só seria notícia, não fosse este um dos primeiros, se não mesmo o primeiro, registo nu de uma atriz americana na história do cinema caso tivesse entrado no filme.
Segundo rezam as crónicas de Hollywood, o diretor do filme, John Huston, recusou incluir a cena de nudez, alegadamente por considerar que "não era necessária para a história". Por outro lado, o produtor Frank Taylor achou o momento tão importante que decidiu guardá-lo. Agora, segundo o filho, ainda não foi decidido o que fazer com o material.
Os Inadaptados foi gravado em 1961, com um guião escrito por Arthur Miller, marido de Monroe na época. Conta a história de três cowboys que competem pela atenção de uma bela mulher.
O filme marcou o fim do casamento de Marilyn e seria o último filme completado da atriz, que morreu, aos 36 anos, no ano seguinte, vítima de uma overdose de comprimidos.”

Não que o assunto me seja particularmente importante. Mas qualquer detalhe sobre a história do cinema merece uma leitura, rápida que seja. E, neste caso em particular, o primeiro parágrafo fez-me saltar na cadeira: “... encontrada por escritor Charles Casillo...”?
“Encontrada por” ou “encontrada pelo”? Nada como assassinar a língua portuguesa logo de início num artigo na secção de cultura!
Mas, mais abaixo, encontro outra pérola: “Os Inadaptados foi gravado em 1961”. Seguido, linhas depois,  por “icónica gravação”.
Poderiamos discutir se algo que ninguém conhece porque mantido em segredo poderá ser classificado de “icónico”. Mas vou ficar-me por outro aspecto:
Toda a gente, hoje, diz “filmar” quando se refere ao registo de imagens animadas feito com câmara de vídeo, câmara fotográficas ou telemovel. É um erro, naturalmente, já que se tratam de imagens electrónicas registadas em fita magnética ou memórias sólidas e não em película foto-sensível. O termo correcto será “gravar”.
Já aquilo que é feito com câmaras de cinema, película de cinema (quer com o sistema reversível, quer com o sistema negativo/positivo) tem o nome bem claro e inequivoco de “filmar”.
Costumo brincar, corrigindo quem diz “estou a filmar” ao usar um telemovel ou câmara fotográfica. E ser muito incisivo para com os profissionais que cometem o mesmo erro no seu ofício. Mas encontrar alguém que diz o mesmo género de disparate mas invertido é uma novidade. Que me faz saltar na cadeira.
Qual será o nível cultural de alguém que assina um artigo na secção de cultura?

A responsabilidade de quem escreve num jornal é enorme! Não apenas nos factos que relata – veracidade, objectividade, isenção... – como na forma como os relata.
O público, a menos que seja conhecedor dos assuntos tratados, toma o conteúdo dos jornais e televisões por verdadeiros e correctos. E as asneiras publicadas, que sejam técnicas quer sejam de língua, assumem foros de normalidade. Só pelo facto de serem lidas num jornal ou vistas numa televisão. E, com isto, a levam o público a repetir essas enormidades, tendo-as por certas.
Não conheço quem assina esta preciosidade jornalística. Mas, mandasse eu alguma coisa lá no seu jornal, e teria direito a duas palmadas e a um periodo de defeso. Em que seria obrigada a ir aprender português lendo bons autores  e a estagiar no ramo audiovisual, carregando uma bobine de película de 70mm dias a fio para aprender a diferença entre “gravar” e “filmar”.

PS - Em jeito de adenda, sempre gostaria de acrescentar que esta cena, agora divulgada, não será o primeiro nu cinematográfico americano.

Antes da censura e da “moral pública” dos anos 30, já os EUA produziam filmes pornográficos que, como se deve calcular, incluiriam nus integrais. E bem mais “ousados” que o que esta cena possa mostrar.


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