terça-feira, 5 de abril de 2022

Verdade fotográfica?




 Os objectos não mentem! Um prédio não mente, um garfo não mente, a lua não mente.

Aliás, e sobre a lua, costuma-se dizer que a lua é mentirosa. Isto porque, quando em quarto-decrescente aparenta ser um “C” e em quarto-crescente aparenta ser um “D”. Já do lado de lá do equador, Brasil por exemplo, a lua é verdadeira, assemelhando-se no seu formato às letras que atribuímos ao seu estado. Deve-se esta peculiaridade não à lua, que estará sempre da mesma forma, mas à posição de quem a vê, que no outro hemisfério se está de “pernas para o ar” em relação ao que acontece em Portugal.

Vem esta conversa a propósito de uma discussão quase tão velha quanto a fotografia: A fotografia é mentirosa ou verdadeira?

Eu diria que nem uma coisa nem outra. A fotografia é, apenas.

A mentira ou verdade está em quem a vê e quem a conta. Está em atribuir-se-lhe valores, está em dizer-se “isto é verdade, que eu estava lá!” ou em dizer-se “isto é verdade, é uma fotografia!”

Isto acontece porque se entende que a fotografia, sendo um sistema mecânico e autónomo de registo de luz, mostra-a para além dos valores verdade/mentira. E isto acontece porque nos habituámos a ver a fotografia como documento na imprensa, atestando a verdade do texto que a acompanha.

Mas também acontece que a sociedade tem sempre reservas perante o que a fotografia mostra. Os tribunais não aceitam fotografia como meio de prova, a menos que quem a fez esteja para além de qualquer suspeita. E quando se vê uma imagem fotográfica menos comum, era comum ouvir-se “Ah, isso é montagem”. Hoje o que é comum de se ouvir é “Ah, isso é photoshop”, o que vem a dar no mesmo.

Um bom exemplo de como a verdade ou mentira na fotografia depende, em exclusivo, do valor que lhe atribuímos, é a fotografia vencedora do World Press Photo de 2006. Nela vemos um carro de aspecto impecável, de capota descida e com alguns jovens a bordo, cruzando uma zona destruída por bombardeamentos no sul de Beirute. Lembro ter ouvido inúmeros comentários depreciativos sobre os jovens: “Como é possível andar-se assim no meio de tanta desgraça?!” Aquilo que a maioria não sabia ou não sabe é que esses mesmos jovens estavam no seu próprio carro, no seu próprio bairro, à procura da sua própria casa, bombardeada e destruída como todas as outras.

Em contrapartida, se mostrar eu esta fotografia, muitos serão, como foram, que perguntarão se terei colocado um arame no interior do cigarro. A minha resposta é, como sempre foi, que a fotografia mostra o que realmente aconteceu, resultado de paciência, algumas tentativas e muitos anos de fumador. Sem arames ou quejandos.

Como terceiro exemplo, os serviços policiais que investigam os casamentos de conveniência com o objectivo de obter a cidadania portuguesa procuram, entre outros motivos de prova do afecto ou não entre os recém casados, a existência de fotografias que relatem o tempo de namoro: festas, amigos, lugares em comum, gestos de afecto… Claro que isto é um absurdo, que todos sabemos que tudo isso pode ser falsificado e que, em menos de uma semana e com as ajudas inevitáveis, qualquer um interessado no embuste cria uma vivência de anos de namoro num álbum fotográfico.

Assim, e voltando a um tema que tem mais de 150 anos, a fotografia não é nem verdadeira nem falsa. É a afirmação de veracidade de quem a mostra ou a interpretação como verdadeiro ou falso de quem a vê que lhe dá o valor moral.

Por mim, aceito qualquer imagem fotográfica. E interpreto-a, sempre, como verdadeira no sentido de ser aquilo que o seu autor me quis mostrar. Mesmo uma casa de pernas para o ar ou um rato de fato espacial a roubar pedaços de queijo da lua.

Quanto à factualidade do representado na fotografia, reservo-me sempre o direito de a pôr em causa, comparando o que vejo com a minha própria experiência e saber, considerando a credibilidade de quem a mostra e o que o seu autor me diz sobre a sua veracidade.

Quanto ao resto, e nos tempos que correm e com as tecnologias e media existentes, é sempre aconselhado usar de algum cepticismo. 


By me

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