sexta-feira, 15 de abril de 2022

Analogias




Eu sei que as palavras significam o que nós queremos que elas signifiquem. São códigos de comunicação e se emissor e receptor usarem o mesmo código a comunicação acontece. Ponto final!

Mas talvez por ter a idade que tenho, por ter as origens e experiências que tenho, por ter o feitio que tenho, há certas palavras que me incomodam na forma como são usadas. No caso em particular, a “fotografia analógica”.

Ora vejamos: analogia significa semelhança entre objectos diferentes. Uma batata é análoga com um nabo, se incluirmos na equação um comboio.

E uma fotografia é sempre análoga ao assunto registado. Essa semelhança existe sempre, seja qual for o suporte. Tal como existe a diferença: uma fotografia nunca é igual ao assunto registado. Falta-lhe o volume, o aroma, o paladar, a textura, o som. O mais que conseguimos registar serão sensações visuais que nos conduzam aos demais sentidos. 

Assim, todas as fotografias são análogas mas diferentes do assunto registado.

Já quanto ao suporte...

Chamamos de fotografia analógica aquela que efectuada tendo por material de suporte película. Ou vidro. E nela estão depositados agentes que reagem à luz. Mais estreita, maior área, flexivel ou não. Se olharmos para esse material logo a seguir a premirmos o botão do obturador veremos... coisa nenhuma. Melhor dizendo, veremos uma superfície opalina, opaca e monocromática, depositada no material de suporte. Nenhuma semelhança com o assunto que queríamos registar.

Haverá que fazer todo um trabalho técnico com agentes químicos para que possamos ver o que queríamos. Mais ainda: na maioria dos casos haverá que fazer dois trabalhos técnicos, já que o que veremos será algo de cores e luzes invertidas ou estranhas: o negativo. Que haverá que positivar, fazendo operações físicas e químicas para se obter o resultado final a que estamos habituados.

Na fotografia dita digital acontece algo de semelhante: se olharmos para o sensor ou para o local de armazenamento nada veremos. Nem sequer os tais zeros e uns que caracterizam o conceito de digital.

Haverá que possuir equipamento adequado e complexo para que possamos ver a imagem pretendida. E, como sabemos, em desligando o equipamento, deixamos de ver a imagem. Tal como quando desligamos o projector de diapositivos deixamos de ver a imagem na tela.

Ambos os sistemas – fotoquímicos ou fotoelectrónicos – são complexos, implicam sistemas intermédios e são análogos ao assunto registado. 

O termo analógico surge por oposição ao digital, mais recente. Que se criaram o digital teriam que usar outro, simples, que referisse o já existente.

Durante anos existiram os termos “ordinário”, “ortocromático” e “pancromático” para diferenciar os diversos tipos de fotografia em preto e branco. Hoje já poucos saberão o significado ou as diferenças entre elas. Mas cada um surgiu para se diferenciar do anterior.

Acredito que dentro de algum tempo a fotografia digital será substituida por um qualquer outro sistema de registo, tornando a fotografia fotoquímica tão obsoleta quanto as sensíbilidades “ordinárias”.

Lembrem-se, por favor: todos os tipos de fotografia são análogos ao assunto registado. Donde toda a fotografia é analógica. Mas se quiserem chamar “batata frita” à fotografia feita em película ou vidro, estejam à-vontade.

Mas eu tenho a idade que tenho, tenho as origens e experiências que tenho, tenho o feitio que tenho.


By me

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