A chamada “zona de conforto” é aquela condição na vida onde
nos sentimos bem, sem demasiadas contrariedades ou frustrações, onde as
espectativas se concretizam melhor ou pior e onde nos refugiamos quando algo
corre menos bem.
Tanto pode ser no trabalho, na vida social, nos passatempos,
na família... a zona de conforto é um refúgio. E todos temos uma ou mais, seja
em que campo for.
Posta esta nota introdutória, passível de ser contestada por
alguém que seja estudioso do comportamento humano, uma outra nota introdutória:
Todo o fotógrafo tem um ângulo de visão que prefere.
Mais aberto ou mais fechado, grande angular ou
teleobjectiva, todos temos um tipo de visão com o qual nos sentimos mais
confortáveis a fotografar.
Existem, creio eu, diversos motivos para isso.
Desde logo o equipamento de que dispõem. Ainda que este
dependa da escolha do próprio, a opção tida após a primeira compra ou
experiência acaba por determinar em muito a evolução do fotógrafo. Ainda que
isto não seja uma regra universal e infalível.
Em seguida o tipo de fotografias que prefere fazer. Paisagem,
retrato, técnica, natureza morta, reportagem... cada uma destas categorias, e
de muitas outras, têm exigências próprias de ângulo de visão e de perspectiva
(ou distância de trabalho) que condicionam o tipo de objectiva que se usa.
Depois... bem, depois o tipo de história que se quer contar
e como se quer colocar o espectador perante ela: se dentro do assunto, como um
participante, se à distância, como que na plateia. Dar-lhe conforto ou
desconforto ao observar o que registámos.
E, por fim, o mais importante de tudo do meu ponto de vista:
a personalidade do fotógrafo. Se mais interventivo e próximo dos assuntos, de
mais distante e “seguro” em relação ao que regista, se faz um “relato” na
primeira pessoa ou se observa pelo visor o que vai acontecendo, mantendo uma
posição mais “ciêntífica”.
Os manuais e compêndios argumentam que a objectiva normal,
aquela que satisfaz a maioria dos utilizadores e das situações é a que tem por
distância focal algo de muito próximo com a diagonal do suporte usado: sensor
ou película. Durante anos e no “império” das câmaras que usam película de 35mm,
se dizia que era a 50mm. Tal como hoje se diz das Full Frame. Argumentavam que
o seu ângulo de visão seria o que mais se aproximaria da visão humana. Sempre o
contestei.
Se, por um lado, e como disse acima, depende da
personalidade e do tipo de trabalho que se faz, por outro era aquela que se
vendia habitualmente com as câmaras por ser a mais fácil e barata de construir
com os vidros disponíveis e com o maior rendimento luminoso.
Todo este conjunto de factores faz com que, com o passar dos
anos e o ir juntando diversas objectivas, amovíveis ou fixas com a câmara que
se usa; tenhamos as nossas preferidas. Aquelas que escolhemos em “modo
automático” quando não temos um motivo especial. E, em caso de dúvida,
procurem-se as biografias e e as notas técnicas de diversos fotógrafos e
observem-se quais as preferidas e porquê.
Acontece que não sou nem mais nem menos que qualquer outro. Não
farei fotografias de tirar a respiração, mas tenho a minha zona de conforto e
os meus ângulos de visão fotográfica preferidos. Tal como perspectiva e
distância de trabalho.
Acontece que cheguei a um ponto em que disse “basta”. De algum
modo me apercebi que me repito, que não saio da zona de conforto e que o que
faço acaba por ser repetitivo. Se preferirem, monótono. Não nos temas ou
assuntos registados mas nas abordagens.
“Vai daí” decidi “voltar aos bancos da escola”. Forçar-me a
usar outras perspectivas, outras distâncias focais, outros ângulos de visão. Explorar
e explorar-me no fazer fotografia diferente.
E se a minha visão de conforto tem sido a da meia-tele à
grande teleobjectiva, de agora em diante vou forçar-me a usar a grande angular,
meia ou extrema. E re-aprender a fazer enquadramentos nas diversas situações
com um ângulo de visão alargado, contrariando o que sempre fiz.
É que, caramba, as teorias para o fazer conheço-as eu. E fartei-me
de as descrever a alunos e formando. Jogos de luz, primeiros planos, linhas de
fuga, condicionamento na leitura da imagem, o que fica explícito e o que se
deixa à imaginação de quem vê...
Não irei mudar de personalidade nem de preferências. Mas quero
dominar, dentro do que for capaz, aquilo que nunca foi a minha zona de
conforto.
Até porque no dia em eu disser que mais nada tenho a
aprender, podem pregar a tampa do meu caixão.
By me
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