domingo, 10 de abril de 2022

Zona de conforto




A chamada “zona de conforto” é aquela condição na vida onde nos sentimos bem, sem demasiadas contrariedades ou frustrações, onde as espectativas se concretizam melhor ou pior e onde nos refugiamos quando algo corre menos bem.

Tanto pode ser no trabalho, na vida social, nos passatempos, na família... a zona de conforto é um refúgio. E todos temos uma ou mais, seja em que campo for.

Posta esta nota introdutória, passível de ser contestada por alguém que seja estudioso do comportamento humano, uma outra nota introdutória:

Todo o fotógrafo tem um ângulo de visão que prefere.

Mais aberto ou mais fechado, grande angular ou teleobjectiva, todos temos um tipo de visão com o qual nos sentimos mais confortáveis a fotografar.

Existem, creio eu, diversos motivos para isso.

Desde logo o equipamento de que dispõem. Ainda que este dependa da escolha do próprio, a opção tida após a primeira compra ou experiência acaba por determinar em muito a evolução do fotógrafo. Ainda que isto não seja uma regra universal e infalível.

Em seguida o tipo de fotografias que prefere fazer. Paisagem, retrato, técnica, natureza morta, reportagem... cada uma destas categorias, e de muitas outras, têm exigências próprias de ângulo de visão e de perspectiva (ou distância de trabalho) que condicionam o tipo de objectiva que se usa.

Depois... bem, depois o tipo de história que se quer contar e como se quer colocar o espectador perante ela: se dentro do assunto, como um participante, se à distância, como que na plateia. Dar-lhe conforto ou desconforto ao observar o que registámos.

E, por fim, o mais importante de tudo do meu ponto de vista: a personalidade do fotógrafo. Se mais interventivo e próximo dos assuntos, de mais distante e “seguro” em relação ao que regista, se faz um “relato” na primeira pessoa ou se observa pelo visor o que vai acontecendo, mantendo uma posição mais “ciêntífica”.

Os manuais e compêndios argumentam que a objectiva normal, aquela que satisfaz a maioria dos utilizadores e das situações é a que tem por distância focal algo de muito próximo com a diagonal do suporte usado: sensor ou película. Durante anos e no “império” das câmaras que usam película de 35mm, se dizia que era a 50mm. Tal como hoje se diz das Full Frame. Argumentavam que o seu ângulo de visão seria o que mais se aproximaria da visão humana. Sempre o contestei.

Se, por um lado, e como disse acima, depende da personalidade e do tipo de trabalho que se faz, por outro era aquela que se vendia habitualmente com as câmaras por ser a mais fácil e barata de construir com os vidros disponíveis e com o maior rendimento luminoso.

 

Todo este conjunto de factores faz com que, com o passar dos anos e o ir juntando diversas objectivas, amovíveis ou fixas com a câmara que se usa; tenhamos as nossas preferidas. Aquelas que escolhemos em “modo automático” quando não temos um motivo especial. E, em caso de dúvida, procurem-se as biografias e e as notas técnicas de diversos fotógrafos e observem-se quais as preferidas e porquê.

Acontece que não sou nem mais nem menos que qualquer outro. Não farei fotografias de tirar a respiração, mas tenho a minha zona de conforto e os meus ângulos de visão fotográfica preferidos. Tal como perspectiva e distância de trabalho.

Acontece que cheguei a um ponto em que disse “basta”. De algum modo me apercebi que me repito, que não saio da zona de conforto e que o que faço acaba por ser repetitivo. Se preferirem, monótono. Não nos temas ou assuntos registados mas nas abordagens.

“Vai daí” decidi “voltar aos bancos da escola”. Forçar-me a usar outras perspectivas, outras distâncias focais, outros ângulos de visão. Explorar e explorar-me no fazer fotografia diferente.

E se a minha visão de conforto tem sido a da meia-tele à grande teleobjectiva, de agora em diante vou forçar-me a usar a grande angular, meia ou extrema. E re-aprender a fazer enquadramentos nas diversas situações com um ângulo de visão alargado, contrariando o que sempre fiz.

É que, caramba, as teorias para o fazer conheço-as eu. E fartei-me de as descrever a alunos e formando. Jogos de luz, primeiros planos, linhas de fuga, condicionamento na leitura da imagem, o que fica explícito e o que se deixa à imaginação de quem vê...

Não irei mudar de personalidade nem de preferências. Mas quero dominar, dentro do que for capaz, aquilo que nunca foi a minha zona de conforto.

Até porque no dia em eu disser que mais nada tenho a aprender, podem pregar a tampa do meu caixão.


By me

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