Não sei, com rigor, como fazem os demais humanos. Mas eu
olho em redor para os lados, e não para cima e para baixo. Enfim, as mais das
vezes.
É para ver as montras, para falar com outros, para ver o
trânsito, para não bater no poste… é para os lados e em frente que dirijo o meu
olhar.
Claro que para cima e para baixo também. De relance para
baixo enquanto caminho, para verificar se há algum buraco ou prenda de cão.
Para cima para verificar a possibilidade de chover ou para o papel, enquanto
escrevo. Ou para admirar as estrelas. Ou aquele olhar de alto a baixo para
manter a distância com alguém, de um modo semi insultuoso. Mais modernamente,
para o ecrã do telemóvel.
Mas, regra geral, olho em frente e para os lados. Na horizontal.
Talvez por ter essa necessidade de saber o que acontece em
redor, numa faixa horizontal, eu tenha dois olhos. Lado a lado e não acima e
abaixo.
É por isso que ao fotografar, e porque quero fazer com a
fotografia aquilo que o cérebro não faz – materialização do que vejo – que registo
na horizontal. A esmagadora maioria das vezes na horizontal. E mesmo quando o
assunto principal que quero descrever é vertical (um poste de iluminação, uma
árvore, um corpo humano, um rosto…) procuro encontrar forma de isso colocar num
rectângulo horizontal. É um desafio pessoal, o fazê-lo.
Indo mais longe, as proporções do rectângulo que prefiro são
assumidamente bem mais largas que altas. O 3x4, o 9x16, o 1/1,5 que os
fabricantes nos propõem com os seus formatos standard não me satisfazem. Não
correspondem ao modo como me relaciono visualmente com o universo.
O que desde cedo me levou, ainda antes de me aperceber do
porquê, a reenquadrar as fotografias que fazia e faço, procurando essa
horizontalidade que é a minha. Primeiro no laboratório, com as réguas do marginador,
por vezes nem o usando mas tão só a guilhotina. Mais tarde com as ferramentas
de recorte que os editores de imagem permitem.
Isto tornou-se tão natural em mim que, ao olhar pelo visor
da câmara, seja óptico, seja electrónico, já estou a visualizar o enquadramento
final, sabendo que parte do que nesse momento estou a ver será retirado.
Exactamente o mesmo tipo de raciocínio que tenho no que respeita a exposição e
controlo de contraste ou cor. A prática repetida permite isto.
Claro que também é um exercício interessante o obrigar-me a usar
os limites do formato da câmara para fazer o enquadramento final. As câmaras
tipo “polaroid” a isso obrigam. E as de médio formato em 6x6. Tal como aquela
filosofia fotográfica antiga do “enquadramento original”, bastante em linha com
o “momento decisivo”.
Mas só uso isso como exercício de estilo, como forma de
quebrar as minhas rotinas, como elemento disciplinador, obrigando-me a pensar
um pouco mais que apenas considerando o instinto.
Entenda-se que esta abordagem da horizontalidade não é um
dogma dos fabricantes. Nem de hoje nem de nunca.
Desde logo com as câmaras folding, de película 120. Toda a
sua construção e publicidade levavam a que se usassem na vertical, obtendo
negativos 6x7 ou 6x9 verticais. O que se tornava incómodo ao fazerem-me fotografias
de paisagem ou de grupos.
Hoje temos os smartfones. Os botões físicos ou de ecrã
convidam, sem sombra de dúvida, a fotografar-se, ou mesmo videografar-se, na
vertical. Todo o handling, toda a ergonomia dos aparelhos está feita nesse
sentido e é preciso alguma ginástica manual para o contrariar.
Estou em crer que sei o porquê disto, apesar da aparente
arrogância do que penso.
O utilizador comum destes aparelhos fotografa maioritariamente
pessoas. Uma pessoa, duas pessoas ou, com as tendências narcisistas da web, o
próprio. E o corpo humano é vertical. No seu todo ou na maioria dos rostos.
E dá trabalho fazerem-se fotografias horizontais de assuntos
verticais. Haverá que bem escolher a distribuição dos elementos (o principal e
os demais) dentro do rectângulo, ou o resultado não será satisfatório.
Além do mais, e ainda considerando o tipo de utilização
comum, estes aparelhos estão equipados maioritariamente com objectivas de
distância focal fixa, habitualmente grande angular. Isolar um rosto na
horizontal com uma grande angular implica alguma distância, uma perspectiva nem
sempre fácil de conseguir.
Se os utilizadores não estiverem satisfeitos, mesmo que seja
por não saberem fazer melhor, escolherão na próxima compra algo que os
satisfaça. Ergonomia para na vertical, pois então.
Acrescente-se que a velha carteira de plástico com
fotografias impressas e que se exibe para mostrar a outra metade da laranja, as
férias, o rebento ou o neto, já não se usa. Está plenamente substituída pelo
brilho electrónico dos smartfones, capazes guardar umas centenas de imagens sem
rebentar as costuras dos bolsos ou aumentar o volume da malinha de mão. Como se
segura um smartfone? Na vertical, pois então. E se a imagem não ocupar todo o
ecrã, fica pequena de se ver e haverá que o rodar, o que não é prático. Donde,
fotografe-se na vertical para bem exibir na vertical!
De algum modo, os fabricantes de electrónica de consumo vão
influenciando a forma de fazer e ver imagens. Criando novos conceitos, quiçá
novas estéticas.
Novos ou não tanto, convém lembrar. Que a pintura, feita
tantas vezes por encomenda para ficar pendurada numa parede, entre uma ombreira
de porta e um armário, ou para obstar às paredes grandes de edifícios de alto
pé direito, ou ainda para subjugar os crentes no interior dos templos ou para
enaltecer os senhores. Ainda hoje, na galeria dos retractos dos Presidentes da
República existente no respectivo palácio presidencial o formato é o clássico:
vertical.
Aquilo que não conseguiram ainda fazer foi que o humano
tenha um olho na testa e outro mais abaixo. Vemos o mundo na horizontal, por
muito que nos queiram convencer do contrário!
E eu, que procuro mostrar o que vejo com os olhos da cara e
os olhos da alma, fotografo maioritariamente na horizontal.
Deixo-vos a pergunta que não carece de resposta pública mas
que gostaria que a dessem para vós mesmos: fotografam como e com que
orientação?
By me