sábado, 9 de setembro de 2017

Memórias



Numa estação de caminho-de-ferro de Lisboa, um diagrama da rede.
Para além das linhas e cruzamentos, os nomes das estações acompanhados de símbolos relevantes nesses locais.
Em baixo, uma legenda identificava o significado de cada um desses ícones.
Esta é uma imagem de parte dessa legenda.
Repare-se como os “locais de interesse” estão identificados com uma câmara fotográfica.
Pouco importa o que possamos ouvir, cheirar, palpar ou degustar nesse local: se é de interesse é para fotografar. E mais tarde recordar.
Talvez que nem se recorde do que se sentiu no local: o aroma de um restaurante próximo ou maresia, o ruído do tráfego ou pássaros, a aragem a incidir na pela ou aspereza do muro em que nos encostámos. Desde que a câmara possa registar é quanto importa.
A este respeito, recordo dois textos lidos ainda não há muito tempo:
Num deles contavam-nos como algures nos anos cinquenta, aquando do boom do turismo nos EUA, se assinalavam nas estradas os locais de interesse com um sinal de trânsito contendo uma câmara fotográfica. Se bem recordo do que li, esta campanha terá sido promovida por uma conhecida marca de películas, papeis e câmaras fotográficas. Já então se entendia que o que era “bonito” era para ser fotografado e alguém se encarregava de informar o público do que merecia ou não uma fotografia “para mais tarde recordar”.
No outro texto falavam-nos de uma experiência ocorrida na Grã Bretanha: dois grupos equivalentes de estudantes universitários foram convidados a fazerem um trabalho escrito sobre um tema dado. A diferença estava em que a um dos grupos era pedido que consultassem apenas o constante na respectiva biblioteca e ao outro para consultarem em exclusivo o conteúdo da internete.
Depois do trabalho feito, foram os grupos testados sobre o que a sua memória havia retido do estudado. O grupo da biblioteca tinha uma memória razoável do lido e onde e o grupo da web havia fixado os locais onde havia pesquisado mas pouco dos respectivos conteúdos.
A nossa memória, aos poucos, vai-se transferindo dos neurónios para os digitais, fazendo mesmo colocar de parte os sentidos e os sentimentos.
Confiamos nas memórias artificiais, na imagem que é a imperatriz autocrática desta geração e que até são particularmente frágeis e passíveis de serem perdidas. E, para as alimentar, deixamos de parte o que elas têm de mais importante: os prazeres dos sentidos.

Diz-vos isto alguém que faz da fotografia o “alimento da alma”. Mas que se recusa a fazer fotografias de férias ou de as usar para mais tarde recordar.

Por muito que goste de fotografia, viver é muito mais importante!

By me

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