sábado, 19 de agosto de 2017

Crónica sobre uma crónica



Tropeço num artigo de um jornal intitulado “Ladi Di: nem princesa nem do povo”.
Confesso que não me costumo preocupar nem com as questões reais nem com os artigos cor-de-rosa. Mas como não tinha muito que fazer, fui ler esta partilha numa rede social.
Quem o escreveu faz uma longa análise à genealogia da princesa de Gales, falando nos títulos de seus avós e bisavós, chegando mesmo a dar-lhe um parentesco distante com D. Afonso Henriques. Não o discuto porque nada sei da matéria e porque me é muito pouco importante a ascendência, real ou outra.
No entanto, quando o articulista fala em “sangue azul”, não pude deixar de me recordar do absurdo da cor e dos episódios passados em canais televisivos sensacionalistas que atribuem a realeza e a sua importância a uma eventual descendência de extra-terrestres.
Ia lendo e ia sorrindo daquilo que preocupa, eventualmente, aqueles que pouco mais têm para se preocuparem. Inofensivo e inútil.
“Saltou-me a tampa”, no entanto, quando o autor do artigo afirma que “Mais importante que a nobreza do sangue é a do espírito, que se mede pelas acções e, sobretudo, pela atitude de serviço a Deus e à Pátria: ser nobre é, numa palavra, servir.” E continua, referindo a linhagem de Cristo.
“Eh lá! O que é lá isto?”, pensei deixando de sorrir. “Eu sei que este artigo foi publicado no jornal “Observador”, mas isto vai um nico para além do que esperava: é catequismo puro e duro!”
E fui ao cimo da página ver quem o assina e com que título.
Percebi tudo quando li que o autor é Gonçalo Porcarrero de Almada, titulado de padre.

Não costumo ler este jornal. As suas tendências ideológicas, não assumidas estatutariamente, situam-se do outro lado da barricada. E os meus arcabuzes e mosquetes estão atestados sobre quem lá perora. Mais para mais se pensarmos que a sua figura de proa defendia ferozmente, até há não muito tempo, o encerramento da estação pública de televisão e que passou a estar caladinho sobre o tema quando se transformou em comentador regular por lá. Muito provavelmente bem pago para tal.
A liberdade de expressão é constitucional e bater-me-ei para que continue viva e de boa saúde. Tal como o direito a informar e ser informado.
Mas vou ter ainda mais cuidado ao aceder aos escritos de quem se bate por extinguir ou impedir o meu ideal de sociedade, igualitária, fraterna e democrática.
Que é disso que sou feito, com o meu sangue vermelho e proletário.


By me

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