Era um símbolo da
tirania! Quando o trinca-bilhetes, agora chamado de pica, se aproximava, todos
sacavam do porta-moedas para o óbvio pagamento. A menos que…
A menos que fosse
um borlista! Nesse caso não se estava nos bancos, ou de pé, nos quatro lugares
marcados junto a varões de ferro plastificados. Mas pendurado na porta, em
equilíbrio instável e dependendo dos dedos e da sua força, bem como dos
solavancos do autocarro ou carro eléctrico.
E era aqui que a
tirania se manifestava, com um valente carolo na cabeça ou uma traiçoeira
pancada nos nós dos dedos. O alicate era terrível nas mãos dos façanhudos
cobradores da Carris.
Já na ferrovia a
coisa era – é – diferente: nem sempre há a garantia de o ver ou ouvir a trincar
bilhetes, pelo que era – é – um jogo de caça e caçador o conseguir viajar de
borla. Em o ouvindo numa das portas de extremo da carruagem, discretamente os
borlistas vão passando para a carruagem seguinte. A menos que já se esteja na
última, o que leva a esperar que se pare numa estação para aí sair e esperar
pelo comboio seguinte.
Hoje começa a ser
raro, pelo menos aqui na capital alfacinha, ver ou ouvir o trinca-bilhetes.
A actual bilhética
magnética não se coaduna com os furinhos do alicate, sejam estes redondos,
quadrados ou em estrelhinha. Na Carris já não existem e na CP, a breve trecho,
também não. Será um símbolo de tirania que desaparecerá, não criando mais
histórias ou estórias para recordar.
Porque, de uma
forma ou de outra, a simples visão do alicate tem provocado sorrisos francos e
nostálgicos. Não sei se das vivências se da vingança de o ver nas mãos de um
“civil”. Que o encontrei na feira da ladra, adquirido depois de algum regateio
com o velhote que o vendia.
Excepção feita,
quanto a sorrisos, a um colega excêntrico que é. Depois de um leve esboço de
sorriso, atirou-me com um “Para que queres tu isso?” Mas é um excêntrico!
Das várias
estórias que a memória me conta, ressalvo agora uma, mais sensação que acção:
A inveja que
sentíamos quando se via algum passageiro confrontar o trinca-bilhetes com o
conteúdo da carteira ou o revirar da lapela do casaco. Que, acto continuo,
recebia um sorriso de condescendência do cobrador e não lhe tirava o bilhete.
Ou obliterava com o malfadado alicate.
Claro que, à
época, não me passava pela cabeça que alguns desses passageiros especiais
seriam membros da PIDE-DGS de má memória e bem mais tirânica que o alicate,
fazendo tremer o pica bem mais que o alicate os borlistas.
Quando, já
rapazola e após a revolução, surgiram os passes sociais comprados mensalmente,
que alegria ter também algo para mostrar e, assim, fugir do alicate, dos “clac”
da furação e dos seus carolos.
Em breve será
completamente obsoleto! Ficará aqui este, arrumadinho a um canto, para
obliterar ou validar as memórias. E os sorrisos também.
By me
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