quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Desgosto fotográfico



A história tem perto de quarenta anos.
Vi no peitoril da janela um insecto. Pequenito e não voador, recordo que tinha cores bonitas e diferentes. E achei que era um bom assunto para fotografar.
Mas vários problemas se levantavam.
Desde logo o seu tamanho. Os menos de dez milímetros que possuía implicavam recorrer a técnicas de macro fotografia, pelo que decidi usar a objectiva de 50 mm invertida no corpo da Pentax LX. Esta técnica, que permite uma escala de reprodução bem grande, implica uma igualmente grande proximidade ao assunto, uns 20 mm, mais coisa, menos coisa.
Para a iluminação, haveria que recorrer à luz natural e reflectores, já que a proximidade inviabiliza o uso de flash, anelar ou clássico.
Assim, e decididas estas questões de cariz técnico, usei de um copo de vidro para evitar que o bichinho se fosse embora. Não me passaria pela cabeça fazer-lhe mal e iria liberta-lo assim que o fotografasse.
Mas o coitado não estava lá muito pelos ajustes, e não havia forma de estar parado. Fora do copo fugiria, dentro dele, e visto da abertura, ficava fora de foco e através do vidro com distorções de imagem. Que fazer?
Usando dos recursos existentes em casa e de um pouco de imaginação, concebi um dispositivo:
Sacrifiquei uma caixa de filtros, com uns 60 mm de diâmetro e, numa das metades, cortei-lhe o fundo. No seu lugar, colei-lhe uma placa de vidro, do tamanho dos filtros Cokin, que tinha mandado fazer para uma experiências com filtros neutros feitos com negro de fumo. (São fáceis de fazer mas um cuidado se impõe: a chama muito próxima pode partir o vidro com o calor)
Fiquei assim com o que necessitava: um recinto para conter o bicharoco e com altura e luz suficiente.
Montei todo o dispositivo (câmara em tripé, caixa, luz), assegurei-me da quantidade e qualidade de luz e foco e tratei de transferir o animal do copo para a caixa.
Quando coloquei esta sob a objectiva e espreitei pelo visor, ainda fui a tempo de ver os últimos estertores do pequenote. Esperneava e contorcia-se, enchendo com a sua agonia todo o enquadramento. E morreu!
Doeu-me! Juro que me doeu fundo na alma! Pela sua morte não desejada e que procurara evitar e por não perceber o que se passara. Só após uma análise aprofundada da situação dei com a coisa: os vapores da cola que tinha usado tinham intoxicado o insecto.

Até àquela data nunca tinha pensado seriamente no assunto. Mas os conceitos estavam cá, não teorizados ou definidos. Mas ficou perfeitamente claro para mim na altura.
O meu prazer fotográfico – egoísta, pela certa – não justifica em nenhuma circunstância a morte de animal ou planta.
Ou bem que consigo a imagem pretendida respeitando a vida e a integridade do ser vivo a fotografar, ou vou à procura de qualquer outra coisa onde assentar a minha objectiva.

Que a ética e o respeito pela vida não passa apenas pelos humanos!

By me

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