Entretido que
vinha a ler, nem me apercebi da chegada à estação do meu bairro. Quando
levantei os olhos do livro, já as portas do comboio se fechavam, deixando-me
com a solução única de descer na seguinte e apanhar um táxi de volta, que a
noite já não era jovem, o trajecto longo e o cansaço bastante.
Quando, já
desembarcado, cheguei à praça de táxis, uma mulher, na casa dos trintas, com
uma criança pequenita, encostavam-se à parede, tentando em vão proteger-se da
aragem promovida a vento que arrefecia os corpos, em contraste com o valente
calor do dia. E se a maior tiritava, a pequena optava pela estratégia comum
naquelas idades: saltava, abanava-se, saracoteava-se, tentando que o sangue, em
correndo, a aquecesse.
Dei a saudação e
perguntei se esperavam um táxi, que primavam pela ausência. O que também não
estranhava, já que a noite era o que era e Agosto estava em plena maturação.
Anuíram, que certamente não estavam à espera do horário de abertura da farmácia
uns vinte metros mais além. E deixei-me ficar, ignorando a aragem, que a camada
adiposa me protegia. Sem mais palavras trocadas.
Estaria quase a
chegar o comboio seguinte e eis que surge um táxi. Um apenas, que me iria
deixar solitário na escuridão da noite e na esperança que houvesse mais
motoristas a trabalhar àquela hora e em mês de férias.
Abrindo a porta e
empurrando a pequenita para o interior, diz-me a mulher: “Vai para São Carlos?”
Pois eu não ia,
seguindo mesmo a direcção oposta.
Mas a
invulgaridade da oferta alumiou a minha noite. Em mais de vinte anos de uso
habitual daquela praça em circunstâncias semelhantes, não me recordo de ter
ouvido tal pergunta com a implícita proposta de boleia.
E porque a noite
estava escura, que os candeeiros por ali não abundam, não consegui fixar as
suas feições de igual tom. Mas ficou a alvura daquele coração, qual pérola
rara, a brilhar bem mais que os faróis do carro que se afastava.
By me
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