sábado, 6 de agosto de 2016

Já dei



Eu sei que é politicamente correcto dizer o quão bonita foi a cerimónia de abertura do Jogos Olímpicos. De como foram magnificentes, de quantos e quão belos eram os participantes, de quão bem organizada estava toda aquela coreografia cheia de significado…
 Não vi!
Sabem: eu estive lá, em Barcelona, em ’92. Estive lá então, apaixonei-me pela cidade e voltei lá amiúde, ainda que não tanto quanto gostaria.
E sei o que vi e ouvi então. E o que vi e me foi contado depois, pelos Barceloneses.
Que as putas e os chulos foram presos; que os ciganos, nómadas ou não, foram liminarmente expulsos da Catalunha; que a mendicidade foi rigorosamente proibida e fortemente reprimida… Vi quatro ou cinco mendigos então e naquele mês e não sei o que era maior: se a fome se o medo, naqueles rostos esqueléticos e sujos.
O luxo e a exuberância dos Jogos, o mais mediático evento “desportivo”, transformaram um evento que era um apelo à paz e à união entre os povos numa competição feroz de poder e ostentação, deixando de fora, bem escondidas (ou nem sempre) as misérias nacionais. Ou as vergonhas nacionais, que ainda não esqueci a operação de cosmética política em Sidney, no que toca às relações da comunidade branca com os Aborígenes.
Faço a justiça de acreditar que os jornalistas presentes terão aproveitado as longas horas do evento para ir denunciando com maior ou menor clareza o que se passa em redor dos jogos em termos políticos, económicos e sociais. As misérias que se vivem e as imposições policiais existentes. Não os ouvi.
Que, pese embora as diferenças culturais e geográficas, não serão por certo muito diferentes das dos nossos vizinhos há quase um quarto de século.


A bem organizada mediatização e globalização dos jogos faz com que todos os vejam e façam deles um exorcismo às nossas próprias misérias. Mas para essa religiosidade do politicamente correcto já dei!

By me

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