Cruzamo-nos várias vezes, umas pacatas e debaixo de telha quando
falava do seu trabalho, outras pouco pacatas e cá fora quando fazia o seu
trabalho.
Destas recordo a que foi, creio, a última em que nos
encontramos nas ruas.
Decorria o plenário da Assembleia da República em que Passos
Coelho e o seu governo foram derrubados.
Cá fora a polícia havia interditado o acesso à escadaria e largo
frontais com barreiras anti-motim, ficando numa ponta os apoiantes e na outra
os contestatários, criando-se entre ambas uma espécie de terra-de-ninguém
atravessada apenas por quem os agentes da PSP entendiam que o poderiam fazer.
Depois de algumas fotografias iniciais do lado dos contestatários
como eu, atravessei a barreira sem entraves e fui ao outro lado para
fotografar. O ambiente era tenso e senti-me desconfortável ali, por entre saltos
altos e polos laCoste. Regressei à origem.
Ao cruzar a barreira, mais alta que um homem e com uma porta
onde só cabia um, cedi-lhe a passagem. Saudou-me e perguntou-me como estavam as
coisas do outro lado. “Tensas mas ainda calmas” respondi-lhe. “Vou até lá”
disse, e seguiu.
Poucos minutos depois vejo-o de regresso ao meu lado da
barricada. “Então, já de volta?” perguntei. “Reconheceram-me e insultaram-me. Vi-me
embora e nem os honrei com uma fotografia.” Foi a resposta.
E separámo-nos no meio da maralha, nem dando para usar a
câmara de tão densa que estava.
Pouco tempo depois ouviu-se aquele grito espontâneo que se
espalhou como fogo em palha seca: “Já caiu, já caiu, vão p’ra puta que os pariu!”
Ainda me arrepio quando o recordo.
Dele, do Gageiro, perdi-lhe o rasto naquele dia. Não sei se
terá gritado se terá fotografado. Talvez ambos.
By me