quarta-feira, 4 de junho de 2025

Cruzámo-nos




Cruzamo-nos várias vezes, umas pacatas e debaixo de telha quando falava do seu trabalho, outras pouco pacatas e cá fora quando fazia o seu trabalho.

Destas recordo a que foi, creio, a última em que nos encontramos nas ruas.

Decorria o plenário da Assembleia da República em que Passos Coelho e o seu governo foram derrubados.

Cá fora a polícia havia interditado o acesso à escadaria e largo frontais com barreiras anti-motim, ficando numa ponta os apoiantes e na outra os contestatários, criando-se entre ambas uma espécie de terra-de-ninguém atravessada apenas por quem os agentes da PSP entendiam que o poderiam fazer.

Depois de algumas fotografias iniciais do lado dos contestatários como eu, atravessei a barreira sem entraves e fui ao outro lado para fotografar. O ambiente era tenso e senti-me desconfortável ali, por entre saltos altos e polos laCoste. Regressei à origem.

Ao cruzar a barreira, mais alta que um homem e com uma porta onde só cabia um, cedi-lhe a passagem. Saudou-me e perguntou-me como estavam as coisas do outro lado. “Tensas mas ainda calmas” respondi-lhe. “Vou até lá” disse, e seguiu.

Poucos minutos depois vejo-o de regresso ao meu lado da barricada. “Então, já de volta?” perguntei. “Reconheceram-me e insultaram-me. Vi-me embora e nem os honrei com uma fotografia.” Foi a resposta.

E separámo-nos no meio da maralha, nem dando para usar a câmara de tão densa que estava.

Pouco tempo depois ouviu-se aquele grito espontâneo que se espalhou como fogo em palha seca: “Já caiu, já caiu, vão p’ra puta que os pariu!” Ainda me arrepio quando o recordo.

Dele, do Gageiro, perdi-lhe o rasto naquele dia. Não sei se terá gritado se terá fotografado. Talvez ambos.


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Guloso




É verdade que sim, sou guloso.

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100mm 1:4

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terça-feira, 3 de junho de 2025

O photógrapho

 



 

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100mm 1:4


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segunda-feira, 2 de junho de 2025

Primas




Quando perdi o uso do olho direito zanguei-me.

Zanguei-me com a vida, zanguei-me com o mundo, zanguei-me comigo, zanguei-me com a fotografia. Logo eu, que fazia do fazer imagem técnica o alimento do corpo e o alimento da alma, havia de perder a capacidade de ver em três dimensões.

Zanguei-me!

A minha actividade profissional – vídeo – fui mantendo, com as adaptações possíveis, mas deixei a fotografia bem de parte. E assim foi durante algum tempo até me reconciliar com tudo com que me tinha zangado e regressei à fotografia. Desta feita no digital, aproveitando o que então era novidade e sem grandes rigores ainda.

Neste intervalo muita coisa aconteceu na tecnologia e disso nem me fui apercebendo. E quando regressei, não me preocupei com o que havia sido essa mudança nem o que de novidades tinham acontecido.

Foi assim que a época da Pentax com este tipo de câmaras e características foi um espaço vazio no meu conhecimento e experiência. E algum “não gostar” do aspecto e sensação de muito plástico, que me fez manter-me longe destas séries.

Até que há alguns anos, quando comecei a, primeiro a juntar, depois a colecionar, descobrir que estes aparentes “brinquedos”, para além de úteis, têm características simpáticas, mesmo que não sejam muito sólidas por fora e por dentro. E divertidos de usar.

Da série MZ tenho estas quatro “primas”, compradas no mercado de usados e feiras de rua, a preços quase escandalosamente baixos já que o digital veio quase extinguir o uso de película. É uma questão de oportunidade de mercado e de dinheiro disponível.

Sabemos que não é a ferramenta que faz o artista. E eu nem sequer sou artista. Mas dá-me prazer usar de quando em vez as que há uns anos produziam boas fotografias, sabendo tirar partido do que tinham nas mãos.

E, no fim de contas, isso é o importante.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100mm 1:4 


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