domingo, 30 de março de 2025

Opções




E se, depois de jantar, alguém bater à minha porta, pode pertencer a um de dois grupos: conhecido ou amigo por um lado, não amigo ou pior que isso por outro lado.
Aos primeiros convido a entrar e ofereço-lhes uma chávena de café ou de algo mais forte.
Aos segundos ofereço uma chávena de ferrocianeto de potássio ou de água-forte.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5

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sábado, 29 de março de 2025

Momentos




Foi um dos meus momentos mais marcantes na vida!

Eu pegava ao serviço ainda antes do nascer do sol, mas não queria perder o evento: a passagem de Venus entre a Terra e o Sol, que aconteceria bem de manhã, quando o meu trabalho me impedia de estar num bom ponto de observação.

Apesar disso, montei um sistema protector que me permitiria olhar para o sol sem ferir os olhos e levei-o para o trabalho. Deixei-o em cima de uma mesa para que qualquer colega, numa pequena pausa, pudesse dele aproveitar. Tal como eu.

Quando foi a minha vez o impacto foi enorme: ver aquele ponto negro movimentar-se em frente do disco luminoso e saber que o que estava a acontecer não apenas não dependia de nós, humanos, como estava a ver algo do passado em tempo real.

Isto porque a distância Sol-Terra é de cerca de 8 minutos-luz, donde aquele movimento, perceptível em termos e escala humana, tinha acontecido uns 6 minutos antes.

Sempre soube da nossa insignificância no universo. Pensamento racional e emocional. Mas senti-lo de facto, ali ao vivo, na pele (ou nos olhos), foi algo que nunca esquecerei.

Hoje aconteceu um eclipse parcial do sol, visível em Portugal. Mas não visível da minha janela. Como não tenho como fotografar uma situação dessas (há que proteger a visão e a câmara!), e como nem sequer tinha ainda tomado banho, deixei-me ficar por casa, apercebendo-me do seu efeito pela redução de luz aqui na rua. Dizem que esse fenómeno astral faz reduzir em 20% a produção de energia solar.

O que vêdes na imagem é uma Lua cheia, menos prejudicial mas igualmente bonita. É uma forma de a fotografar mesmo não tendo aquele equipamento todo XPTO que custa fortunas.


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Desafios pessoais




Uma fotografia por dia nem sabe o bem que lhe fazia!
O desafio: um relógio de bolso ficando visível o mostrador, a tampa decorada e a escala. E omitir a parte inferior do mostrador, onde se demonstra ser uma modernidade barata ao ter inscrito a palavra “quartz”.
A fotografia, como tudo o mais na vida, é feita de evidências e ocultações.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5

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sexta-feira, 28 de março de 2025

Naturalmente




Uso-as da forma mais óbvia: uma para medir o tempo de dia, outra para medir o tempo de noite.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5

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terça-feira, 25 de março de 2025

Just for the fun


 


Fotografar é escrever com luz.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP2 Adaptall2 90mm 1:2,5


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segunda-feira, 24 de março de 2025

Não há fome que não dê em fartura!


 


Há já uns anos encontrei na Feira da Ladra este alicate de um Pica. Perdão, de um cobrador ou revisor de autocarro ou comboio.

Achei graça ao achado, não apenas pela raridade mas também pelo simbolismo: o “Trinca Bilhetes” era o terror dos borlistas e apanhar com ele na cabeça ou nos nós dos dedos era particularmente doloroso. 

O alicate era o símbolo da tirania!

Há uns dias, numa feira de colecionismo (onde fui pela graça do tema e sem intenções de gastar dinheiro) encontro uma banca cheia de bilhetes de autocarro. De vários valores, de 0$80 a 7$50, alguns com publicidade no verso. Interessante e apelativo a memórias distantes.

Mais à frente, noutra banca, um guia da carreiras da Carris, com percursos e horários. Data? Está na capa: 1967. Um ano depois começava eu a ser passageiro a solo a caminho da escola ou liceu.

Lá acabei por gastar algum (muito pouco), pensado em crónicas e fotografias.

Em casa, dei voltas e mais voltas para descobrir onde parava o bendito alicate. Sem sucesso até ter desistido e optado por uma estratégia diferente: quando o encontrar, e vai ser quando menos esperar, logo trato de abordar o assunto. Acabei por o encontrar hoje de manhã, numa caixa cheia de muitas outras tralhas.

Há pouco completei o ciclo: ao ir consultar um livro, que descobri ter sido adquirido em 2002 e numa livraria entretanto fechada, encontrei um marcador de página especial: um bilhete pré comprado (um BUC) de duas viagens. Um símbolo de transição entre o cobrador e a bilhética electrónica. E o início do fim do uso do alicate.

Falta-me, para completar a “coleção”, a mala do cobrador, em cabedal e com as divisórias para notas e moedas e transportada a tiracolo, e o estojo do alicate, com correia de travamento e mola, usado no cinto. 

O ter DNA (Data de Nascimento Antiga) faz-nos ter estas memórias e, no caso de alguns, os objectos de então.

Nota adicional para os mais novos ou não naturais das grandes cidades: à época destes bilhetes coloridos, as viagens urbanas eram pagas em função da distância percorrida, tal como hoje nos comboios ou carreiras de longo curso.

Aquando da cobrança era furado com o alicate o número correspondente ao local de embarque. Em função do preço pago assim ficava definido o limite da viagem.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


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domingo, 23 de março de 2025

Sorte e azar




Como não penso em usar estes utensílios domésticos por muitos anos, nem me importo com o espelho quebrado há muito.

Mas, pensando em quando o quebrei, talvez se justifique o que me tem acontecido nestes últimos tempos.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


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sábado, 22 de março de 2025

Valores não materiais




Estive recentemente numa lojinha de fotografia a boa distância de casa para ir buscar este conjunto. Estava anunciado on-line, o preço parecia-me simpático e fui até lá.

Nem a câmara nem a objectiva estão em perfeitas condições, mas nada que impeça o seu funcionamento. Já o flash, não sendo novo, tem a caixa de origem e está perfeito. Qualquer um destes itens fica muito bem com o restante que aqui tenho.

Mas há dois aspectos que tornam este conjunto menos comum.

Começando pela tampa traseira da objectiva: é de metal. Já as tinha visto assim, tanto as das objectivas como as de corpo, mas sempre relativas a sistemas com montagem M42, nunca de baioneta PK. Suponho que tenha sido aqui colocada para compor o conjunto.

O que é realmente curioso é a correia, que não sei se de origem se de um freelancer. Contem ela duas bolsas, uma em cada extremo, que tive dificuldade em entender a sua utilidade. Mas têm o tamanho exacto para, numa delas, guardar as pilhas da câmara e na outra (são iguais) guardar as tampas do suporte de flash e do visor. Fazem-me recordar alguns estojos em couro para transportar filtros que tinham um pequeno rasgo para ser colocado na correia, estando eles sempre disponíveis. Mas é um acessório arcaico, algures dos anos ’60, que não vejo à venda faz muito tempo.

Por aquilo que pude saber por quem me vendeu o conjunto, câmara e flash chegaram-lhe às mãos em momentos diferentes por troca por câmaras mais recentes que vendeu.

São estes detalhes, bem como a sua história, que acrescentam valor não material às peças que aqui vou tendo.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


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sexta-feira, 21 de março de 2025

Anúncios




Na entrada de um pequeno café, apenas com três mesas, num centro comercial num bairro bem fora de Lisboa, este aviso.

O bairro começou como uma cooperativa, teve comissão de moradores, havia competição sobre a beleza dos jardins em frente de cada prédio.

Hoje, dos quatro multibancos que já existiram resta um. O mais próximo fica do lado de lá da estrada e de um pinhal, inserido num supermercado. E nem sempre há a certeza de haver dinheiro num ou no outro.

Dos jardins restam terra batida e ervas. Do parque infantil, construído pelos moradores, pouco resta.

Mas tem um posto da GNR, um centro comercial minúsculo com 36 anos e uma densidade populacional por habitação muito elevada.

E este aviso diz-nos bastante sobre a população que o frequenta.

Soube de tudo isto porque um dos pioneiros mo contou, num misto de orgulho e tristeza. E pela boca do dono da lojinha de fotografia onde fui, por via de um anúncio on-line. Uma surpresa, o pequeno museu fotográfico que nela existe.

Já o aviso indica-me que o consumo de chá será habitual e não creio que o seja por senhoras velhotas a meio da tarde.


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Credibilidades




Hábito antigo: em saindo de casa, mesmo que só para ir beber um café ou comprar cigarros, levo uma câmara comigo.

Tanto faz ser ou não digital, tanto faz ser uma câmara reflex ou de bolso, tenho sempre (ou quase) uma câmara comigo. Neste último ano e meio tenho alternado entre uma Pentax K1 e uma Pentax K50, variando apenas na objectiva, que depende de como me sinto.

Morava eu, aquando deste episódio, perto de uma escola onde a fotografia e o vídeo fazem parte do curriculo. Volta e meia lá via eles ou elas a fazerem alguns exercícios e, nariz comprido é o meu, metia conversa para simplificar aquilo que me parecia estarem a complicar. E referia a minha experiência em ambos os campos para que pelo menos me ouvissem.

Um dia decidi sair com esta câmara: uma Pentax K-x. O objectivo era habituar-me a ela, que era coisa recente no meio da minha tralha.

Pois nesse dia fui abordado por três vezes por jovens dessa escola perguntando-me se eu seria fotógrafo. Uma vez ao balcão do café onde me encontrava, de permeio com uma dezena bem medida deles, as outras duas na rua, em grupos de dois ou três.

Acredito que a minha “saída do anonimato” tenha sido a côr da câmara, pouco comum como se entende. Aliás, comprei-a exactamente por isso.

Não me questionaram sobre a qualidade dela em comparação com outras. Apenas os olhos se prenderam por parecer um brinquedo pendurado no ombro.

Pergunto-me qual seria a reação dos seguranças se eu comparecesse num evento formal e oficial, com todas as credenciais devidas, e transportando esta câmara para fazer o meu trabalho. Ou que diriam os noivos se eu fosse contratado para fotografar o seu casamento com uma câmara branca. Ou vermelha. Ou azul. Ou verde.

Mas ficariam satisfeitos ou mais tranquilos que eu a guardasse no saco e de lá tirasse uma Pentax K100D, preta, uns bons anos mais antiga, com metade da resolução e com um sensor bem mais antigo.

“Os olhos também comem” e na fotografia isso também se aplica ao fotógrafo em todos os sentidos.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5

quinta-feira, 20 de março de 2025

Eterno e global




Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5

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quarta-feira, 19 de março de 2025

Uma questão de memória




A minha memória para nomes nunca foi boa e, com o tempo, não melhora. Aliás, de manhã tenho que repetir para o espelho “este é o JC”, só para garantir que não esqueço.

Mas para outras coisas, ela é perfeita, ou muito perto disso. Um desses casos é o que acontece com estes objectos.

Encontrei este cálice numa montra de uma loja de velharias em Sintra. Dizia um cartaz na montra que eram doações e que o lucro revertia  para uma associação de apoio a animais abandonados. Nunca quis discutir o negócio. Mas achei graça ao objecto e fui por ele.

Se bem recordo pediam 3 euros por ele e não me fiz rogado. Percebendo que tinham cliente, apresentaram-me duas taças: esta e uma outra em aço polido. Não faziam pandam perfeito, mas por oito euros (a de aço veio por dois e sei isto porque ainda têm as etiquetas) não as quis deixar.

Pese embora não tivesse utilidade imediata, o simples desafio de as fotografar seria suficiente. E o imaginar que poderiam ter feito parte de um altar de uma capelinha de uma quinta dá-lhes outro valor. Emocional ou não.

O negócio aconteceu há mais de dez anos e ainda me recordo dele. E não deixo de passar por aquela montra, não vá encontrar algo com a mesma utilidade para mim que estes cálice e taça.

A minha sorte é que, das muitas inutilidades que tenho vindo a comprar para fotografar, algumas primam pela raridade, que não pelo valor, pelo que as tenho vindo a conservar e, de quando em vez e em mexendo em caixas e sacos, dou com elas.

Ou, em tendo um texto ou ideia geral para ilustrar, vou por elas, algures no meio de muitas outras.

Claro que há sempre o prazer imenso de as fotografar ou, por outras palavras, escrever com luz. Mas isso é outra história.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptal2 90mm 1:2,5

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segunda-feira, 17 de março de 2025

O fazer da coisa




Ele há as notícias falsas, a Inteligência Artificial, a manipulação digital...
E depois há as fotografias que são feitas de dentro para fora.

By me

domingo, 16 de março de 2025

Frascos


 


Encontrei estes dois numa loja de objectos de vidro, em Lisboa.

Fui a ela de propósito, por via de um galheteiro que me convencesse, mas nada me prendeu a atenção.

Excepto estes frascos. Caiu-me em cima um manto de nostalgia que me fez retroceder muitos anos, aos meus tempos de catraio. Na casa de família havia-os iguais, no formato e cores de tampa mas francamente maiores, talvez com o triplo da capacidade. O que não estranho, já que éramos seis sentados à mesa todos os dias.

Tinham, ou têm, uma característica que hoje é francamente rara de encontrar: a robustêz. Vidro grosso, capaz de não se importar se escorregar das mãos e embater na pedra do balcão ou pia. Os de hoje, por bonitos que sejam, ficam logo lascados ou mesmo em cacos com pequenos acidentes.

Na época em que os recordo, esses acidentes não poderiam acontecer, que a substituição custava dinheiro. E esse não abundava. Além do mais, aquilo que se guardava nestes frascos eram comprado a granel e pesado no balcão da mercearia ou venda, não havendo sacos de plástico onde pudessem ser guardados em casa. Na melhor das hipoteses, ficaria nos cartuchos de papel pardo riscado onde era transportado para casa, com o topo fechado e dobrado e um cordel a garantir que não se abriam.

Esperaram eles, os frascos, que tivesse inspiração para a fotografia e as palavras já aqui andassem a bailar. Foi hoje, nesta viagem aos meus tempos de catraio, que os estreei com recheios apropriados à forma, função e memória.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptal2 90mm 1:2,5


By me

sexta-feira, 14 de março de 2025

Velharias


Há quem quem confunda velharia com antiguidade. 
Por velharia entende-se tudo o que, já não sendo novo ou recente, tem menos de cem anos. Por seu lado, consequentemente, antiguidade será tudo que seja mais antigo que cem anos. 
Claro que esta diferença, na prática, não faz diferença se a diferença for curta, excepto no preço, que uma antiguidade tem mais valor de mercado que uma velharia. 
Já os negociantes têm uma noção de tempo um pouco estranha.
Esta objectiva com obturador, é uma velharia, apesar dos seus 75 anos. E não está funcional.

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptal2 90mm 1:2,5


By me

quarta-feira, 12 de março de 2025

Memórias




Vocês me desculpem mas não resisti. E apesar de ter a DSLR ali ao lado, em cima da mesa, foi mesmo com o telemovel.
Conheço o local há um ror de tempo. Desde os meus tempos de estudante ainda numa época pré-revolucionária. Ficava-me no caminho do liceu, quando decidia não fazer o transbordo de autocarro e poupar o segundo bilhete.
Antes de abrirem as portas ao público, este café, que agora também serve refeições, entregava de borla os bolos da véspera a quem lá fosse. E havia sempre alguns miúdos a fazerem fila, vindos de um bairro de lata nas imediações.
Nunca ali fiz fila. Preconceitos da época faziam com que os meninos do liceu não se misturassem com os meninos de pé descalço. Como se uns valessem mais que outros! Além de que as rivalidades entre os grupos dos já não tão meninos por vezes terminavam com arnica, merurocromo ou mesmo uma ida ao posto de enfermagem.
Este era um dos bolos que eu cobiçava noutros espaços, de permeio com as pirâmides, os duchasse ou as bolas de berlim. Com creme, claro. Mas estas últimas surgiam todos os dias em frente ao liceu, no intervalo grande, pelas mãos de uma vendedeira ambulante que as trazia num cesto de vime coberto com um pano branco. Quando tinha poupado nos bilhetes quanto bastasse, lá ía eu escolher uma, a que tivesse mais creme, e lambuzar-me até às orelhas.
Hoje já não há vendedeiras às portas dos liceus, com panos e batas brancas. E já não me lambuzo até às orelhas, que fico com as barbas cheias de doces vestígios. Mas os paladares são os mesmos, mesmo que comidos com faca e garfo.

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segunda-feira, 10 de março de 2025

Já foste



 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptal2 90mm 1:2,5


By me

sábado, 8 de março de 2025

Calçada de Carriche




Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.

Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.

Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.

Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

"Calçada de Carriche", António Gedeão

Imagem by Me

quarta-feira, 5 de março de 2025

Soluções faça você mesmo




Um dos problemas que afecta muita gente é o espaço. Melhor dizendo, a falta de espaço. Principalmente a falta de espaço na mesa de trabalho.

Não importa quão grande seja, estará sempre cheia de coisas. Aquelas que estão a ser usadas, as que foram usadas há pouco, as que estiveram em uso a semana passada, as que estão ali porque ainda não foram colocadas no devido lugar, as que ficaram ali já nem se sabe bem porquê... as mesas de trabalho estão sempre cheias.

Mas há um objecto que entra e sai da mesa (ou pode entrar) amiúde e para o qual nem sempre há lugar seguro porque a mesa está cheia. Ao meio não há lugar, na beira da mesa pode cair, ali está demasiado perto da caneca de café, acolá está à frente de algo... nunca há o lugar certo e seguro para pousar a câmara em cima da mesa.

Encontrei eu uma solução: um grampo fixado na beira da mesa mas não no caminho dos braços, uma cabeça de monopé com ajuste de “tilt” e uma base de fixação rápida.

Colocado o conjunto no local certo da mesa, nunca haverá nada em cima dele que impeça ou atrapalhe o pôr ou retirar da câmara. Nunca acontecerá entornarmos um café em cima porque fica um pouco subida. O encaixe rápido permite segurança, impedindo que caia mesmo que lhe demos um toque acidental.

Nenhuma destas peças se encontram à venda nas lojas dos centros comerciais e dificilmente nas de bairro. Haverá que procurar no comércio que abastece os profissionais ou encomendar pela net.

As peças que uso são da marca Manfroto, mas qualquer marca serve desde que satisfaça dois requisitos: robustez dos materiais e facilidade no seu manuseio; compatibilidade entre o sistema de fixação com o ou os existentes nos tripés que usamos.

Desde que montei este sistema, colocado na secretária ou numa prateleira de uma estante ao alcance do braço, a minha tranquilidade ao trabalhar sentado à mesa aumentou exponencialmente.

 

Pentax K1 mkII, SMC Pentax-FA 100mm 1:3.5 macro


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terça-feira, 4 de março de 2025

Vira-bicos fotográfico




Sejamos honestos: não há objectos bons ou maus, éticos ou não éticos.

O que há, antes sim, são os usos que são dados aos objectos e as classificações que lhes damos. E estas dependem do local e da respectiva cultura vigente.

O que aqui se vê é um gadjet dos anos ’70 e ’80 que tem inscrito o seguinte: “Panagor mirror circle anglescope”. Fabricado no Japão. Veio parar às minhas mãos no meio do equipamento fotográfico que herdei de meu pai.

A sua função é fotografar a 90º com o seu eixo, usando um espelho no seu interior e estando acoplado a uma objectiva. De origem tem uma montagem serie VII para receber um anel de adaptação para usar na objectiva

Sejamos honestos de novo: o uso mais comum de tal gadjet é fotografar para o lado parecendo que se está a fotografar em frente. Fotografias discretas, feitas às escondidas, captando o que supostamente não se deveria captar. Pouco ético, convenhamos.

Poderá ter um outro uso: fotografar tectos pintados ou zimbórios sem que se tenha que inclinar a câmara 90º para cima. Ou a ponta dos nossos sapatos sem que tenhamos que dobrar as costas até partir.

Se bem conheci meu pai, terá sido para fotografar monumentos que o terá comprado.

Hoje já não se deve fabricar e só o encontro enquanto velharia em sites e leilões on-line.

Um destes dias ponho-o na mochila e vou fazer uma ronda por algumas igrejas e palácios das redondezas.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptal2 90mm 1:2,5


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segunda-feira, 3 de março de 2025

Medos e mudanças

Enquanto pedia um café ao balcão, alguém numa mesa atrás de mim exclamava “Valha-nos Santa Bárbara!”
Virei-me, estranhando, e apurei o ouvido. Sorri então.
Nunca ouvira dizer que a Santa Bárbara fosse a padroeira das mudanças de moveis ou a protectora dos riscos nos soalhos.
Porque os deuses, lá em cima, estavam numa de mudança de mobiliário, daquele antigo estilo Luís XV ou XVI. E faziam-no amiúde e com gana.
Entretanto voltei-me para o balcão, por mor do meu café, e vejo a empregada a benzer-se.
Surda que é de nascença, e com um aparelho em cada ouvido, ainda não tinha dado pela coisa. Mas quando viu o relampâgo... até se encolheu.
Somos bichos, com os mesmos medos que qualquer outro por muito que os expliquemos ou racionalizemos as origens. 
Por mim, adoro assistir a uma valente trovoada. Mesmo que fique encharcado. É daqueles acontecimentos que nos reduzem à nossa insignificância no universo, por muito importantes que nos entendamos.

By me

domingo, 2 de março de 2025

Talvez não fotógrafo




Volta e meia oiço – ou leio – sobre casos que conto aqui ou ali:
“Então e não fotografaste? Tu, logo tu, sempre com a câmara contigo, não fotografaste!?”
A frequência com que me vou deparando com esta afirmação/interrogação vai aumentando, à medida que o tempo passa.
Efectivamente, cada vez menos fotografo o que assisto!
Existem em mim dois fotógrafos que se digladiam face às ocorrências: o bio-químico e o foto-mecânico.
Cada vez mais o primeiro tem relutância em deixar o segundo actuar perante a actividade humana. Aquilo que o segundo pode ver e, eventualmente, registar com a sua objectiva é infinitamente menos que aquilo que o primeiro constata.
Os cheiros, os sons, os sentimentos do dia-a-dia são tantos, tão apelativos, tão inebriantes, tão envolventes que, se todos eles passassem para a câmara, nada mais faria. Seria como aqueles turistas que vão de férias e vêm os locais pelo visor, e apenas por ele. Vi alguns assim na Expo98, por exemplo.
Se a magia da fotografia, a grande magia, é o contrair do tempo do antes e do depois para o durante a exposição efectuada, que duração teria uma exposição que englobasse a vida?
Se a fotografia faz parte da minha vida – e faz indubitavelmente – procuro fotografar com os olhos e, em havendo oportunidade, encontrar algo que, de alguma forma, transmita o que vi e/ou senti.
São ícones fotográficos o que vou fazendo, não procurando reproduzir realidade que não apenas a minha realidade. A minha forma de ver a realidade.
A fotografia documento - e as actuais tecnologias cada vez mais o incentivam – retiram-lhe validade. Já perdi a conta das vezes em que, confrontado alguém com fotografias minhas, me perguntou se a tinha trabalhado no photoshop. A credibilidade de uma fotografia, da fotografia, já não existe. Supondo que alguma vez existiu.
Por isso, quando vejo/vivo algo, prefiro gozar esses momentos, “fotografando” na “película” a que chamamos cérebro e guardar para mais tarde a materialização do todo que vi e senti.
Estou em crer que deixei de ser fotógrafo. O que sou? Nem eu sei bem!
Talvez um medíocre espectador com uma ferramenta que não domina.

By me

Raridade?




O conceito de “raro” é algo que varia no tempo e no espaço. E no conhecimento de quem o classifica.

Encontrei esta peça on-line. Melhor dizendo, foi um amigo que me propôs o negócio, contactado-me on-line, sabendo-me fã da marca. Mesmo sem saber o seu estado de conservação aceitei de imediato.

Isto porque de entre o que não sei, o haver projectores de slides de marca Pentax era um dos assuntos. E acabei sabendo que tinham fabricado quatro modelos, sendo que um deles teve duas versões. Esta terá sido a primeira.

Para além da surpresa da sua existência, some-se a curiosidade do nome da objectiva. Fabricada na alemanha nos inícios dos anos ’70 carimbada com “pro-Takumar” para deixar bem claro que tinha sido feita para equipamento Pentax, que usava então o nome Takumar para as suas objectivas. Subtilezas comerciais.

Este projector necessita de uma séria limpeza e de alguns ajustes na sua mecânica. Coisa que acontecerá em havendo oportunidade. Até lá, ocupará um lugar de destaque aqui em casa pela raridade do objecto. Pelo menos no mercado português. E por ter vindo projectar mais um pouco de conhecimento na imensidão daquilo que não sei.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


By me