domingo, 10 de abril de 2016

Os rebuçados

Não, eu não tenho em casa, fotografável, nem uma balança antiga nem cartuchos de papel pardo riscado nem rebuçados vendidos a peso.
Por isso não posso ilustrar a história.
Que conheço vai quase para meio século, quando tudo isso existia. E que agora um post de uma amiga me veio recordar.


Naquela mercearia antiga, cuja idade do balcão rivalizava com a do dono, entrou uma menina.
Dirigiu-se ao balcão e, em bicos dos pés pediu para o velhote:
“Eu queria dez tostões de rebuçados de lima.”
Em seguida fechou a lata, subiu a escada, arrumou a lata, desceu a escada, arrumou-a no canto certo, fechou o cartucho com uma guita e entregou-o à menina que, sorridente, pagou os dez tostões respectivos.
Nesse momento entra um petiz que, dirigindo-se ao balcão, tenta subir para ele e, quando o queixo passa por cima, declara com solenidade:
“Eu queria dez tostões de rebuçados de lima.”
O velhote olhou para ele e, cheio da paciência típica dos velhotes, foi buscar a escada que encostou no alto armário, subiu, pegou na lata respectiva, desceu, pôs um cartucho na balança, abriu a lata e foi pondo rebuçados no papel pardo riscado até atingirem o peso certo.
Em seguida fechou a lata, subiu a escada, arrumou a lata, desceu a escada, arrumou-a no canto certo, fechou o cartucho com uma guita e entregou-o ao petiz que, sorridente, pagou os dez tostões respectivos.
Ainda este não tinha cruzado a porta quando entra uma garotinha. Do meio da sala, que se se chegasse ao balcão não conseguiria subi-lo, pede ao velhote:
“Eu queria dez tostões de rebuçados de lima.”
O velhote sorriu e foi buscar a escada que encostou no alto armário, subiu, pegou na lata respectiva, desceu, pôs um cartucho na balança, abriu a lata e foi pondo rebuçados no papel pardo riscado até atingirem o peso certo.
Em seguida fechou a lata, subiu a escada, arrumou a lata, desceu a escada, arrumou-a no canto certo, fechou o cartucho com uma guita e entregou-o à garotinha que, sorridente, pagou os dez tostões respectivos.
Estava o bom do merceeiro a guardar as moedinhas quando entra um garoto, de boina às três pancadas e que, aos saltos junto ao velho balcão de madeira, pede:
“Olhe. Olhe. Eu queria dez tostões de rebuçados de lima.”
O velhote suspirou e foi buscar a escada que encostou no alto armário, subiu, pegou na lata respectiva. Quando se preparava para descer entraram um rapazinho e uma menina, iguais que nem gotas de água, vestidos do mesmo modo e que pararam no meio da loja.
Lá do alto, o velhote pergunta-lhes:
“E vocês? Também querem dez tostões de rebuçados de lima?”
“Não!”, responderam em coro os gémeos. “Nós não queremos dez tostões de rebuçados de lima.”
Com um suspiro de alívio, o velhote desceu, pôs um cartucho na balança, abriu a lata e foi pondo rebuçados no papel pardo riscado até atingirem o peso certo.
Em seguida fechou a lata, subiu a escada, arrumou a lata, desceu a escada, arrumou-a no canto certo, fechou o cartucho com uma guita e entregou-o ao garoto que, sorridente, pagou os dez tostões respectivos.
Perguntou então o velhote para os dois, parados no meio da loja:
“Então que querem vocês?”
“Nós queremos quinze tostões de rebuçados de lima.”


 By me

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