sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Intervenção social



A farmácia estava cheia. Quando chegou a minha vez, pedi um banal “Aspergic”. Cá em casa a época das constipações já começou e eu já perdi duas narinas para ganhar duas torneiras. Escancaradas.
Não tinha receita, que nestas coisas não faz falta, nem quis o saquinho de papel onde quiseram colocar a caixa.
“Para que me vai dar isso se daqui a pouco, em tendo oportunidade, o deitarei fora? Só para fazer lixo?”
O tom foi suficientemente alto para que o cliente a meu lado ouvisse e esboçasse um sorriso. Vi-o pelo canto do olho, ao mesmo tempo que esperava a pergunta da praxe:
“E quer número de contribuinte na factura?”
“Olhe! A senhora não tem idade para isso. Mas se tivesse andado a fugir a uma polícia política não propunha isso!”
E acrescentei:
“Eu sei que tem que fazer a pergunta, mas eu tenho que passar o recado!”
O meu tom foi um tudo ou nada alto. O suficiente para sentir que as mãos paravam e as cabeças se viravam, nos diversos pontos de atendimento. Não por muito tempo, que o discurso foi curto, mas o suficiente para que o recado chegasse a mais de duas dúzias de orelhas.
À minha frente, a trintona de bata branca sorriu sem saber muito bem o que responder. Limitou-se a aceitar o meu dinheiro e dar-me o troco, que a caixa com o medicamento já estava na mochila.

Intervir na sociedade não passa apenas por actos eleitorais, cumprir ou redigir códigos civis ou fiscais ou desfilar em manifestações.
Intervir na sociedade é, acima de tudo, fazer passar mensagens, quer pelo discurso, quer pelo exemplo. E quanto mais insuspeito for o local e mais anónimo se for, mais facilmente a mensagem passa.

Se será ou não entendida ou seguida, isso já é outra questão.

By me

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