sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Opções



Quando cruzei o portão sabia para onde ia, só não tinha a certeza do itinerário: ou apanhava o autocarro do lado de cá, mesmo que com uma volta maior, ou atravessava a avenida e apanhava do outro lado, num trajecto mais rápido mas mais insípido.
Parei no passeio, tentando tomar uma decisão.
De súbito o dia, já de tarde e cinzento, iluminou-se, como se as luzes do estúdio se tivessem acendido.
Na paragem do outro lado, um catraio com uns 6 ou 7 anos sorria como ninguém, apontando para o meu lado e puxando a manga da mulher, talvez que a sua mãe. E sorria e saltava, apontando e puxando.
As dúvidas desfizeram-se: atravessaria a avenida, na passagem superior!
Sem pressas, que o dia fora longo e duro, lá subi de um lado, desci do outro e aproximei-me da paragem, com o respectivo telheiro.
O garoto não foi de modas, aquando da minha chegada:
“O senhor é o Pai Natal? É?”
Olhei para ele, de cara meio séria, e olhei para a mãe, que sorria meio envergonhada, talvez que sem saber como reagiria eu.
Olhei de novo para ele e perguntei, sério:
“Estou vestido de vermelho? Tenho um barrete encarnado? Tenho as botas calçadas?”
Varreu-me com os olhos e, ainda sorrindo, respondeu:
“Não, não tem.”
“Então hoje não sou o Pai Natal. Hoje não sou.”
O sorriso rasgou-se, qual farol na noite. Tal como a mãe, que me pareceu soltar como que um suspiro de alívio, mas com o ruído dos carros não garanto.
E o miúdo acrescentou:
“Sabe? Tenho-me portado bem. Faço os trabalhos da escola, ajudo a mãe na cozinha, arrumo o meu quarto… Tenho-me portado bem.”
“Tens cara disso”, respondi enquanto a mãe me sorria. “Tens cara disso”
Entretanto o autocarro chegou e fiz-lhe sinal. Quando começava a subir, ouvi-o pedir:
“Ponha-me na lista dos que se portam bem, sim.”
Não resisti: Antes que a porta se fechasse rodei e recomendei:
“Continua assim que não me esqueço.”
O que ele continuou a sorrir e a puxar pela manga da mãe, enquanto nos afastávamos, compensou os segundos extra de paragem.
Pelo menos deduzi-o pelo sorriso igualmente rasgado que o motorista me lançou.


Quando deixamos de sonhar, a vida deixa de valer a pena!

By me

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