quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O acidente



Suponho que já aconteceu a toda a gente.
Estando a descrever uma qualquer situação, oralmente, quem ouve dizer a dado passo qualquer coisa como isto:
“Eh pah! Estou mesmo a imaginar a cena.”
O que é interessante é que o querem dizer com isso é que estão a “ver” o que está a ser descrito. Até porque “imaginar” deriva do termo “imagem”.
Por outras palavras, o relato está a provocar imagens mentais em quem ouve. Quer sejam imagens restritas ao que está a ser dito, quer sejam objecto de acréscimos por parte do ouvinte, baseados na experiência, e que complementam as eventuais lacunas das descrição.
Temos, assim, que a “mera” palavra (oral ou escrita) se complementa ou necessita da imagem para ser absorvida ou entendida por completo.

Se na literatura é deixado ao leitor a tarefa de criar essa imagem, na imprensa a imagem é vital.
Por um lado porque não se pode dar azo a interpretações. Um golo é um golo, uma saudação é uma saudação, um tiro é um tiro, uma morte é uma morte.
Para que a imaginação – o criar da imagem mental – do leitor não se exacerbe, a existência da fotografia (ou ilustração desenhada) ajuda a balizar o descrito, fornecendo os detalhes visuais necessários.
Por outro lado, o facto de já haver uma imagem – real – reduz a necessidade de descrições escritas alongadas. Pode concentrar-se na contextualização do facto relatado, na extrapolação das eventuais consequências ou na descrição daquilo que não coube no espaço/tempo fotográfico.
Acrescente-se que a existência de imagem – fotográfica ou outra – leva a que o artigo jornalístico seja consumido em três tempos distintos: a primeira abordagem, em que a imagem, sendo apelativa, rivaliza com o título para atrair o leitor; o segundo tempo, em que o corpo da notícia – o texto – é lido e em que a imagem mental se vai formando, condicionada desde logo pela imagem exibida; o tempo final, ou de avaliação, em que a imagem impressa é de novo analisada, mesmo que de relance, num espécie de confronto ou comparação entre a imagem real e a imagem mental criada aquando da leitura.
Por fim, a questão civilizacional. Não creio que exista alguém ainda vivo, remanescente dos tempos em que os periódicos não continham imagens. A imagem impressa faz parte do acto de ler um jornal ou revista e não o ter será tão estranho quanto o consumir vinho sem álcool: a estória está relatada no texto mas falta-lhe o tempero do costume.

Em jeito de Post Scriptum, sempre se pode contextualizar a imprensa neste segundo decénio do séc. XXI: o tempo disponível por parte do consumidor seja para que actividade for, imprensa incluída, é cada vez menor. O incremento das fontes de informação, com milhões de conteúdos (relevantes ou não) reduz o tempo dado a cada artigo ou história. Um artigo contendo 800 palavras é demasiado extenso para ser lido até ao fim por grande parte dos leitores. A fotografia (ou infografismo) permite reduzir drasticamente a quantidade de texto, complementando-o visualmente.

Claro que este reduzir de texto limita em muito a capacidade de contextualização e análise dos acontecimentos. E este fast-food informativo tem outras consequências (nefastas quanto a mim) mas que não têm, agora e aqui, cabimento. 

By me

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