sexta-feira, 5 de setembro de 2014

50mm



Foi há já bastante tempo, aquando do meu primeiro ano a trabalhar com estudantes.
Havia que lhes falar de objectivas (normal, tele e grande angular) e, em tom de brincadeira, disse-lhes que a “normal” era assim chamada porque era a que normalmente vinha com as câmaras. Claro que, de seguida, desmontei a piada e lhes expliquei os diversos conceitos de distância focal, ângulo de visão e visão humana.
Uns dias depois, e para tomar balanço para a matéria seguinte, perguntei-lhes se sabiam o que era uma objectiva normal. Uma das alunas, muito compenetrada, consultou os seus apontamentos e disse, citando-me e muito séria, que era a que vinha normalmente com as câmaras.
Apanhei um susto e fiquei em pânico. Ela estava certa porque citava o professor. Apenas não tinha entendido o que viera de seguida. E o erro fora meu, que não organizei o meu discurso ou explicações para com eles de forma correcta.
Foi uma das grandes lições sobre pedagogia e relações humanas que tive na vida.

Mas ainda hoje, por vezes, me esqueço do que então aprendi. E enceto discursos ou conversas com gente que não sabe ou conhece os pressupostos de que parto para eles.
O resultado é, com frequência, desastroso.
Que a ironia, mais fina ou mais grosseira, nem sempre é entendida como tal e é tomada ao pé da letra.
Anteontem passei por uma dessas, com uma mocinha que, tendo já formação superior, se lhe escapou o real sentido das minhas palavras.
Hoje foi rigorosamente o mesmo, pese embora já não ser mocinha e ter já múltiplas formações académicas superiores.
Uma de duas coisas tenho que passar a fazer:
Ou bem que afino o meu discurso, fora do contexto lectivo, ponderando muito bem a quem se dirige e com uma análise prévia dos limites de até onde e como o posso fazer, o que redunda numa “seca” para as partes e uma muito séria perca de eficácia no meu próprio raciocínio;
Ou bem que me mantenho como sou, correndo o risco de, a cada tirada irónica ou de múltiplo sentido, perder audiência e, consequentemente, ficar reduzido a uma “elite”. O que evito como o diabo a cruz.

Nos entretantos, saiba-se que contesto a definição de a 50mm ser a “objectiva normal” em película ou Full Frame.
A visão de cada indivíduo é tão individual quanto ele e aquilo de que apercebe visualmente do exterior depende das características específica de cada um. Físicas e subjectivas.

Exactamente por isso, cada fotógrafo tem uma objectiva que prefere, e que não depende em exclusivo da sua luminosidade, “handling” ou tamanho.

By me 

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