segunda-feira, 23 de junho de 2014

Suburnanidade estival



Não chove nem faz sol. Neste momento.
Está um daqueles tempos que, convidando-nos a andar na rua em mangas de camisa, nos desaconselha a andar com elas arregaçadas. Aragem, quase que nem se dá por ela na pele ou nas folhas, de tão imóvel que está o ar.
Por isso mesmo, entretido que tenho estado com outras letras e grafias que não estas que vedes, tenho mantido as janelas abertas. Não de par-em-par, que algumas são triplas, mas o suficiente para que os fumos dos cigarros se não acumulem e que o exterior dê um ar da sua graça cá dentro.
Lá fora, do outro lado da praceta e longe do tráfego automóvel, algumas crianças brincam na rua. A escola acabou e agora, de tarde, nada como dar vazão ao esforço de crescimento ósseo e muscular. Incluindo o pulmonar.
P’las paredes da praceta, mesmo que do outro lado, vão subindo os seus gritos e risadas, sons reconfortantes e que contrastam com outros mais habitualmente ouvidos por aqui. Entre parágrafos ou ideias, encosto-me um nico e fico a senti-los.
E, por entre o bru-à-à jovial, sobressai uma exclamação violenta:
“Dá cá a carteira, miúdo! Dá cá a carteira senão espeto-te!”
Assusto-me. Como não poderia deixar de ser. E, antes ainda de me poder levantar da cadeira, as frases repetem-se, com o mesmo volume e entoação: “Vá! Dá cá a carteira, miúdo! Dá cá a carteira senão espeto-te!”
Corro à janela. Quem estaria, aqui e assim, a assaltar tão descaradamente? Poderia eu, da minha distante janela, fazer algo?
Por entre as ramagens das árvores (que os garotos brincam do lá de lá delas, no parqueamento) já só os vejo a eles e só oiço as suas risadas. Nem ameaças nem algum “matulão” a fazer das suas.
Mais não fora que uma brincadeira entre eles, repetindo, como boas crianças que são, o que vão vendo e aprendendo na vida real e nas televisões.
Mas o “miúdo” e o “espeto-te” não aparece nas televisões, nem cedo nem tarde. Vem das vivências tidas, de algum episódio assistido ou tido na primeira pessoa. E repetidas, meio de escárnio, meio de exorcismo.
Tempos vão em que os policias e ladrões, ou índios e cowboys, não iam tão longe, tão assustadoramente próximos de uma realidade que gostaríamos que fosse ficcionada.

Deixei-os lá onde estavam.
Incapaz de retomar as ideias interrompidas, fui retemperar animicamente com um café, ali a meio da rua.
Regressei com uns sapatos que lá deixei, com a certeza de que quando for tomar a bica depois de jantar já por lá não estarão.

Mesmo que o tempo não mude.

By me 

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