domingo, 20 de abril de 2014

Diferente



Foi já há uns anos valentes. Estava em Barcelona e tinha comigo uma mocinha de onze anitos, filha de um casal amigo, que eu desafiara a ir até lá.
Um dos locais que visitámos, entre outros equivalentes, foi o Museu Picasso, onde eu, à guisa de guia, lhe ia explicando o que por lá havia, do pouco que sei.
No final, e em jeito de “revisão da matéria dada” que sempre fazia, perguntei-lhe o que mais havia gostado. A resposta deixou-me espantado, mas rapidamente a entendi:
“Dos quadros que pintava como as pessoas, quando era pequeno”
Faz sentido!
Vivemos num tempo em que a Imagem é rainha, de consumo rápido e pouco aprofundado. E quando ela, quer seja fruto da objectiva quer seja resultado de um pincel, obrigar a reagir especificamente, emotiva ou racionalmente, tentando descortinar o seu significado, desagrada à maioria do público.
Na imagem dita “real” (cinematográfica, videográfica ou fotográfica) isto ainda é mais notório.
Espera-se que seja “uma cópia da realidade” com contornos e assuntos reais e definidos, de fácil e imediata interpretação. E, perante uma imagem pouco definida porque desfocada, tremida, escura ou detalhada no micro ou macro cosmos, a pergunta surge, quase que invariavelmente: “O que é isto?”
Temos uma necessidade imperiosa de identificar, de catalogar, de interpretar tudo aquilo com que nos relacionamos, para só depois reagir com emotividade, gostando ou não. É confrangedor.
Porque, tratando-se de formas de comunicar, mas também de exprimir, necessita o seu autor normal de ter algum tipo de reconhecimento no seu trabalho. E quando a pergunta surge, deixando de parte as emoções e procurando a racionalidade, fica a comunicação comprometida. E, na esmagadora maioria dos casos, sobrevém algum tipo de frustração do autor.
A menos que este rompa com os cânones e decida pouco se importar com o reconhecimento. Deixando de parte a vertente comunicacional da imagem, importando-se primordialmente com o factor de expressão:
Aquela imagem, seja qual for o suporte ou técnica, corresponde ao que pensa ou sente. E pouco importa se os demais a entendem. Ou gostam.
Poucos são os que o fazem.
Formatados nas tecnologias de informação, nos padrões instituídos, na globalização da produção, imagem incluída, procura-se agradar aos seus iguais, usando de técnicas e estéticas padronizadas e testadas.
A experimentação, o deixar que as emoções interiores sobrevenham para além dos códigos, o encontrar satisfação no que se produz para além das opiniões do público, o usar da técnica em prol da alma e não de terceiros… é algo que poucos se atrevem a fazer.
Porque dá trabalho; porque exclui socialmente; porque obriga a pensar e sentir; porque é arriscado.

Numa sociedade em crise, de matéria e de valores, ser diferente é algo reservado apenas a dois tipos de pessoas: os que têm posses ou nome suficiente para serem reconhecidos por eles e não pelo que fazem; ou por aqueles que optam pelo seu próprio caminho, deixando de parte regras e imposições académicas ou industriais.

By me 

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