segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Resumos



Atrás de mim, na fila do supermercado, oiço uma voz feminina: “Então e levas os dois?”. E oiço a resposta, também feminina “Pois! A seguir vamos dar a mensagem…”
Não resisti e olhei de soslaio. Duas mocinhas, talvez adolescentes, talvez já não, aguardavam vez. No tapete, empilhados, pão, queijo fresco, aquilo que me pareceu ser fiambre fatiado, alguns cadernos, alguma canetas e dois livros.
Um de resumo do “Memorial do convento”, outro contendo dois resumos: “Mensagem” e “Lusíadas”.
Sou um herói!
Ainda que tivesse esboçado, por duas ou três vezes, o gesto de meter conversa, consegui acabar por me conter. E as despesas da conversa e as larachas ficaram-se apenas para com a menina da caixa, como de costume, sobre o ter ou não cartão cliente.
Que não sei se as outras duas, atrás de mim na fila e no tempo, entenderiam que ficarem-se pelos resumos destas obras é ficarem-se pelos resumos da vida, é aceitarem um resumo de salário, é assumirem que os afectos podem ser em formato de resumo.
É, principalmente, aceitarem que a sociedade de consumo queira que nos fiquemos pelos resumos, muitos resumos, daqueles que não dão azo a pensar mas tão só a dar respostas resumidas a perguntas estereotipadas, sem capacidade de decisão e muito menos de acção.
É isso que querem de nós: que aceitemos uma vida resumida ao que nos impingem. Que nos resumamos ao papel de resumidos, incapazes de conhecer ou degustar a vida no seu todo, na plenitude dos autores que nós mesmos somos.

Não me interessa o que querem: não sou um resumo!

By me 

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