quinta-feira, 28 de abril de 2022

Fotografia


 


Fotografia é, de uma forma muito simples, o registo do efeito da luz sobre um material que a ele seja sensível.

Quer se trate de um minúsculo orifício numa caixa ou lata que contem papel fotográfico, quer se trate de uns pedaços de vidro ou plástico curvilíneos que conduzem as luz para uma superfície sintética alterando a forma como se glomeram nela cristais de prata, quer se trate desses mesmo vidros fazendo incidir a luz controladamente numa superfície que a ela reaage eléctricamente.

Haverá, depois, todo um processo complexo, químico ou físico que fará com que essa alteração seja seja perceptível pelos nossos sentidos. Nomeadamente a visão.

E, as mais das vezes, gostamos do que vemos nesse registo.

O que se torna curioso é que nós próprios fazemos fotografia sem recurso a nenhum aparelho complexo construído numa fábrica ou artesanalmente.

A luz atravessa o cristalino – as lentes dos nossos olhos – incide na retina – o material fotossensível – que a transforma em impulsos neurológicos conduzidos ao cérebro que o arquiva na memória.

E, de algum modo e sem grande esforço, conseguimos rever essa imagem – ou fotografia – bastando para tal encontrarmos o estímulo que nos conduza aos neurónios onde ficou armazenada. Como um albúm ou pasta de arquivo digital.

Diz quem sabe, e muitos são, que as suas melhores fotografias foram as que fizeram sem câmara, apenas observando aquilo que está à sua frente. Todos nós as temos e eu não sou excepção.

No dia em que conseguirmos transpor para o exterior do organismo o que que se passa no interior do cérebro, nesse dia os fabricantes de equipamento fotográfico podem arrumar as botas.

Felizmente esse dia está bem distante.

Na imagem uma fotografia de um acto fotográfico. A luz do sol, a escrever numa folha de papel, conduzida por um pedaço de vidro.


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quarta-feira, 27 de abril de 2022

Ética fotográfica




Coisas há que, de tão clássicas que são, se tornam um pecado não as fazer ou vivenciar. Esta é uma delas.

Em manifestações, ou não, procurar e fotografar um bandeira com a luz certa.

Talvez que seja a questão, para além da luz, do conseguir o momento certo (o instante decisivo, como dizia o mestre), em que o drapejar ao vento a coloca na posição e desenrolar certos. E qualquer bandeira, iluminada de frente ou por trás mostrando a sua translucidez é bonita e resulta em fotografia.

Manias minhas, que querem?

Este ano surgiu uma nova bandeira (ou, pelo menos, eu nunca a tinha visto): o arco-iris do movimento LGBT só que com o nome de um partido inscrito, não interessa qual.

Ainda antes de ter visto a inscrição vi a bandeira. Que é bonita na sua multiplicidade de cores. Com a luz certa então... fui por ela e pedi a quem a segurava um “jeitinho para a fotografia”. Fiz o “boneco” e logo a seguir me arrependi.

Que misturar coisas tão distintas como um partido político com o movimento LGBT é um absurdo! Ideológico, social, pessoal... uma espécie de apropriação partidária de algo que em nada se pode misturar com partidos. Com política sim, mas não com partidos.

A fotografia está ali, no arquivo digital junto com as demais feitas neste desfile de Abril de 2022. Não me envergonho de a ter feito, mas não a exibirei para não compactuar com ela e o significado.

Restou-me esta fotografia de bandeira, que seria um pecado não fotografar uma nesse dia.


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terça-feira, 26 de abril de 2022

De novo com novidades




Alguém que se cruzou comigo no desfile/manifestação deste 25 de Abril perguntou-me se eu teria sentido o mesmo que no anterior: falta de entusiasmo e um cumprir de tradição, apenas.

Pese embora continue muito mais organizado e formal do que já foi em tempos, este ano senti mais entusiasmo. Talvez porque o dia estava bonito, talvez porque as máscaras deixaram de ser obrigatórias, talvez porque os presentes se sentiram livres de ali estarem... A verdade é que este ano foi festa.

Mas constatei duas coisas coisas pouco comuns.

Num dos carros blindados Chaimite com que os desfile começou, icones do dia da revolução, um dos tripulantes era uma militar. Algo impensável em 1974, é bom de ver que hoje as mulheres tripulam blindados mano a mano com homens. Os sorrisos que atirava para a direita e para a esquerda tiravam um pouco da solenidade do momento, mas muito mais simpáticos que os olhares sisudos dos veteranos que com ela manobravam as pesadas viaturas.

A minha outra grande surpresa foi ver tantas bengalas. Algumas usadas com notório esforço. Foi como que ver toda uma geração vir para a rua dizer:

“Ainda cá estamos, vivemo-lo e queremos celebra-lo.”

Foi igualmente bom de ver!


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segunda-feira, 25 de abril de 2022

Teimosias e falta de jeito


 


Que eu sou teimoso ninguém que me conheça tem dúvidas. E hoje foi mais um desses casos.

Adquiri recentemente uma objectiva de 14mm para Full Frame.

“Uau!”, dirão alguns. “Para quê?”, dirão outros.

Surgiu a ocasião e eu não resisti. Tanto mais que a minha preferência vai para objectivas bem mais potentes, que me permitem uma perspectiva mais distânciada. Mas forçar-me a aprender aquilo que não domino é um exercício de que gosto.

Hoje aconteceu mais uma comemoração da Revolução de Abril. E, uma vez mais, decidi comparecer. Pela manifestação de per si e como fotógrafo. E, se me estou a esforçar por dar uso a uma objectiva e respectiva perspectivel útil, foi comigo.

A minha ideia era usa-la exaustivamente, esquecendo se possivel a outra que trazia no bolso do colete e com a qual me sinto muito mais confortável. Não apenas a tenho desde há muito como me permite trabalhar a distâncias mais de acordo com os meus hábitos.

Pois a bela da 14mm não rendeu o que eu esperaria. Melhor dizendo, não soube eu tirar partido do que tinha nas mãos.

Esta foi uma das que consegui fazer alguma coisa que se veja: o monumento raso a um dos capitães de Abril, em frente ao quartel do Carmo onde o governo da ditadura se rendeu aos revoltosos, comandados no local por Salgueiro Maia.

Tenho este monumento ou memorial como uma vergonha na cidade.

Apesar da sua modéstia e falta de vontade de protagonismo após a revolução, este monumento raso sem que nada ou quase o diferencie das restante calçada do local é pisado por quem ali passa sem que dele se apercebam. Hoje foi foi uma excepção, pelos cravos lá deixados por alguns dos que ali foram prestar homenagem aos militares de Abril.

Merecia Salgueiro Maia algo um pouco mais digno, por humilde ou singelo que fosse.


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Nós, os cotas




No dia de hoje fala-se da revolução, dos militares que a fizeram e deram o corpo às balas, da queda de um regime ditatorial, da liberdade...

Fala-se de tudo o que deve ser falado neste dia, faltando, no momento em que escrevo estas linhas, saber os conteúdos dos discursos solenes.

Mas há algo de que se não fala e que quem viveu, mesmo como adolescente como eu era, foi vital então e nos tempos que se seguiram: a sensação – melhor, a certeza – de que o futuro era nosso, estava nas nossas mãos e que tinhamos que o construir.

Nós mesmos, com algumas certezas e muitas incertezas, improvisando de acordo com as circunstâncias, discutindo, ventilando ideias e aprendendo com todos os outros uma forma de viver e pensar nova. Mesmo com os contra-revolucionários e nos momentos mais complexos.

Esta certeza de autonomia de liberdade nela foi-se diluindo. Hoje dependemos de instituições, de decisões superiores, encostamo-nos ao “alguém tem que fazer alguma coisa”. Sempre esquecendo que esse alguém somos nós.

O espírito revolucionário é algo difícil de manter porque implica alguma ausência de conforto, de estabilidade. Coisa que nós, que o vivemos independentemente das idades e dos feitos, vamos perdendo com o passar dos tempos. Um pouquinho hoje, uma cedência amanhã, um encolher de ombros depois...

Talvez que quando já não restar ninguém que tenha vivido ’74 e seguintes seja altura de um outro dia memorável, em que o povo mais ordene e que a paz pôdre seja varrida por um vento de libertação individual e interior.

Honra seja feita, encontramos jovens com esse espírito de revolução. Poucos mas encontramos. Porque são jovens (e a contestação é parte integrante do amadurecimento), porque o são realmente para além das idades e dos estatutos.

Mas são poucos, espalhados e ainda desorganizados. Conto com eles para as novas mudanças que fazem ou farão falta, quando eu já nem um cartaz consiga colar ou um grito possa soltar.


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domingo, 17 de abril de 2022

No name




Se para alguma coisa servem as celebrações, para além de alegria, é para aprendermos com o passado. E é bom que tu, páh, penses no que fizeste ou deixaste fazer para que, nestes quarenta e oito anos, passasses de um acreditar no futuro para um apenas celebrar o presente “inevitável” que construíste.

E não me digas que a culpa é deles, páh: a mão é tua! A que segura o cravo, a que empunha a bandeira, a que bate palmas.

 

Mas páh: também é tua a mão que se confina nos bolsos, que prime as teclas, que não segura a coronha.


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sábado, 16 de abril de 2022

Fotografia




A fotografia de Daguérre tal como a imprensa de Gutemberg podem ser – e são – considerados marcos na história da comunicação e do desenvolvimento da humanidade. E se a imprensa veio substituir o trabalho elaborado e elitista dos copistas, fazendo com que a mensagem por códigos-padrão (escrita) fosse acessível a todos e em todos os lugares, a fotografia veio “paralelizar-se” com a pintura no acesso à mensagem gráfica sem códigos-padrão (imagem).

Simplificou os processos de produção da imagem, passando a ser possível a qualquer um a sua produção e globalizou o seu consumo, passando a ser possível um sem-número de exemplares, fiéis entre si, todos originais (ao invés da pintura), e fora dos museus e galerias privadas.

Indo mais longe, e com a simplificação das técnicas fotográficas, deixou de ser necessário ser-se um especialista para produzir fotografias. A indústria evoluiu no sentido de deixar ao consumidor apenas o trabalho de apontar e premir o botão, deixando o trabalho monótono e elaborado da revelação e impressão para os laboratórios e técnicos especializados.

Actualmente, com os suportes digitais, mesmo aqueles estão quase que condenados à extinção, já que câmara e computador pessoal se completam.

Acontece que a simplificação dos processos elaborados (hardware) não veio alterar profundamente os processos intelectuais (software) da criação da imagem.

Continua a ser necessário “Pensar” na imagem, imaginar o resultado final, saber-se o que se quer mostrar ou contar, conhecer como transformar a tridimensionalidade e os cinco sentidos na bidimensionalidade e na exclusividade da visão. E, neste campo, não há tecnologia que simplifique. Há que pensar e sentir, mesmo que não se pense ou sinta que se está a pensar ou sentir.

E não nos enganemos: Isto dá trabalho! Muito trabalho! É a tentativa e erro, é o estudo, são as inúmeras frustrações por cada satisfação, é a paciência, é a pré-disposição diária para o fazer…

Mas, se pensarmos um pouquinho no comportamento humano, chegamos à conclusão que o bicho-homem não gosta de trabalhar. Toda a evolução das civilizações e das técnicas foi e é no sentido de facilitar as tarefas, de minimizar o esforço, de aumentar a satisfação. Fotografia incluída!

Donde a lei, quase universal, do menor esforço, não se coaduna com o trabalho físico e intelectual. Aquilo que se procura – uma forma fácil e sem esforço de fazer fotografia – é quase uma impossibilidade!

 

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sexta-feira, 15 de abril de 2022

Analogias




Eu sei que as palavras significam o que nós queremos que elas signifiquem. São códigos de comunicação e se emissor e receptor usarem o mesmo código a comunicação acontece. Ponto final!

Mas talvez por ter a idade que tenho, por ter as origens e experiências que tenho, por ter o feitio que tenho, há certas palavras que me incomodam na forma como são usadas. No caso em particular, a “fotografia analógica”.

Ora vejamos: analogia significa semelhança entre objectos diferentes. Uma batata é análoga com um nabo, se incluirmos na equação um comboio.

E uma fotografia é sempre análoga ao assunto registado. Essa semelhança existe sempre, seja qual for o suporte. Tal como existe a diferença: uma fotografia nunca é igual ao assunto registado. Falta-lhe o volume, o aroma, o paladar, a textura, o som. O mais que conseguimos registar serão sensações visuais que nos conduzam aos demais sentidos. 

Assim, todas as fotografias são análogas mas diferentes do assunto registado.

Já quanto ao suporte...

Chamamos de fotografia analógica aquela que efectuada tendo por material de suporte película. Ou vidro. E nela estão depositados agentes que reagem à luz. Mais estreita, maior área, flexivel ou não. Se olharmos para esse material logo a seguir a premirmos o botão do obturador veremos... coisa nenhuma. Melhor dizendo, veremos uma superfície opalina, opaca e monocromática, depositada no material de suporte. Nenhuma semelhança com o assunto que queríamos registar.

Haverá que fazer todo um trabalho técnico com agentes químicos para que possamos ver o que queríamos. Mais ainda: na maioria dos casos haverá que fazer dois trabalhos técnicos, já que o que veremos será algo de cores e luzes invertidas ou estranhas: o negativo. Que haverá que positivar, fazendo operações físicas e químicas para se obter o resultado final a que estamos habituados.

Na fotografia dita digital acontece algo de semelhante: se olharmos para o sensor ou para o local de armazenamento nada veremos. Nem sequer os tais zeros e uns que caracterizam o conceito de digital.

Haverá que possuir equipamento adequado e complexo para que possamos ver a imagem pretendida. E, como sabemos, em desligando o equipamento, deixamos de ver a imagem. Tal como quando desligamos o projector de diapositivos deixamos de ver a imagem na tela.

Ambos os sistemas – fotoquímicos ou fotoelectrónicos – são complexos, implicam sistemas intermédios e são análogos ao assunto registado. 

O termo analógico surge por oposição ao digital, mais recente. Que se criaram o digital teriam que usar outro, simples, que referisse o já existente.

Durante anos existiram os termos “ordinário”, “ortocromático” e “pancromático” para diferenciar os diversos tipos de fotografia em preto e branco. Hoje já poucos saberão o significado ou as diferenças entre elas. Mas cada um surgiu para se diferenciar do anterior.

Acredito que dentro de algum tempo a fotografia digital será substituida por um qualquer outro sistema de registo, tornando a fotografia fotoquímica tão obsoleta quanto as sensíbilidades “ordinárias”.

Lembrem-se, por favor: todos os tipos de fotografia são análogos ao assunto registado. Donde toda a fotografia é analógica. Mas se quiserem chamar “batata frita” à fotografia feita em película ou vidro, estejam à-vontade.

Mas eu tenho a idade que tenho, tenho as origens e experiências que tenho, tenho o feitio que tenho.


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Fotografias de férias e memória




Eu não costumo fazer fotografias de férias.

Aquelas fotografias dos lugares ou das pessoas nos lugares, dos monumentos ou das paisagens monumentais... essas fotografias não costumo fazer. Não quer dizer que as não faça, mas não é meu hábito.

Tenho alguns motivos para isso.

Por um lado, os chamados “postais ilustrados”, à venda nos quiosques para turista como eu sou quando lá estou, foram feitos com a melhor luz do local. Caramba, o fotógrafo, se for residente na zona, sabe qual a melhor época e a melhor hora para tirar o melhor partido da luz.

Por outro lado ainda, não creio que precisemos de fotografias para cumprirmos o velho slogan “para mais tarde recordar”. Se a estada num local ou a viagem por uma zona não foi suficientemente boa para ficar na memória, o que vi e tudo o mais que senti, então não merece recordar.

Por fim, mas o mais importante de tudo, com o passar dos anos e o rever essas imagens de férias, a nossa memória fica quase que mais marcada por aquilo que consta nas fotografias que pelo que se sentiu no local. Talvez que os estudiosos da mente humana discordem desta abordagem de como a memória funciona, mas quando excitamos amiúde a memória com uma imagem, o que vem à superfície é aquilo mesmo, com alguns resquícios do que antecedeu ou sucedeu. Mas todo o resto que temos guardado vai ficando sobreposto por aquele recordar frequente de um momento ou visão, dificultando o acesso a outras memórias correlcionadas.

Não, eu não costumo fazer fotografias de férias. Até porque não necessito de documento para provar, a mim ou aos outros, que estive lá.

Quando em férias, as fotografias que faço são equivalentes às que faria por perto de casa: uma perspectiva incomum, um jogo de luz bonito, um retrato apelativo, visual ou emotivamente...

Não necessito de atestar a minha presença naquele lugar e tempo. Eu sei, eu recordo e é quanto me basta.

 

Vem tudo isto a propósito de ver fotografias de gente que conheço junto de gente conhecida. Das artes e das letras, da política, do desporto...

Em havendo oportunidade, faz-se uma selfie com essa figura ou, em tempos, pedia-se a alguém que fizesse a fotografia. E, mais tarde, usam-se essas mesmas fotografias para atestar o ter estado com essa pessoa. Mesmo que tenha sido apenas uma vez na vida. Uma espécie de “Eu sou importante porque estive com gente importante. Verifiquem isso aqui!”

E se alguém necessita de fotografias com gente importante para se sentir e demonstrar importância é porque, ao fim e ao cabo, se sente pouco importante no dia-a-dia. Lamento-os e à sua baixa auto-estima.

Até porque somos todos importantes, não importa o estatuto, a condição sócio-económica ou o reconhecimento público.


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quinta-feira, 14 de abril de 2022

Dificuldades e aprendizagens




É verdade que sim, que tenho uma ferramenta nova.

Tratou-se da junção de oportunidades: aparecer no mercado físico e local e poder adquiri-la. Mas também de uma aventura.

Uma objectiva com 115º de cobertura é exactamente o oposto daquilo que usei durante anos e anos. Mas se não treinarmos fora da nossa zona de conforto, nunca saberemos quais os nossos limites.

Vou brincando conforme vou podendo, usando-a como objectiva principal, sempre colocada na câmara, pese embora no saco às costas estejam as que, em caso de necessidade, me permitem fazer o que estou habituado.

No entanto tem havido uma dificuldade adicional com a qual não contava: controlo de exposição.

O ângulo de visão desta objectiva insere tantos elementos que é fácil ultrapassar os limites do visível entre as altas e as baixas luzes numa mesma imagem. Com ângulos mais apertados é fácil escolher perspectivas ou enquadramentos em que essa questão não se levante e a escolha de exposição (tempo e abertura) serem muito próximas do correcto, senão o exactamente certo.

Com esta objectiva vejo-me na necessidade de pensar com mais cautela no que vejo e nas informações que a câmara me dá ou, em alternativa, recorrer ao uso do fotómetro manual. Gosto de o usar, domino razoavelmente as suas leituras e creio saber usa-las. Mas dá trabalho e implica mais tempo na preparação do fazer da imagem. E eu tenho andado preguiçoso.

Mas admito que me tenho sentido num misto de jovem estudante a descobrir coisas novas e um lutador a propositadamente ignorar o fácil e conhecido.


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quarta-feira, 13 de abril de 2022

Achados




A história é simples mas longa. E muito técnica.

Há uns dois anos e tal foi-me ofertada uma objectiva de primeira água. Uma Pentax SMC 50mm f/1.2.

Pese embora ser de finais dos anos ’70, é excelente e passei a usa-la preferencialmente à 50mm f/1.7 que possuia. E possuo. O problema é que quem ma ofertou não tinha o seu pára-sol. E, para mim, um pára-sol é coisa vital.

Claro que tratei de procurar na parafernália aqui de casa um compatível, que não encontrei directo. Mas encontrei um, montagem 58mm, que com um anel adaptador, fazia e faz o serviço.

Quando há uns meses comprei uma Pentax K1 mk2 fiquei com um problema: o pára-sol que usava, perfeito para APS-C, vinheta muito ligeiramente em Full Frame. Bolas! Assim não!

Sendo certo que raramente uso o enquadramento original, procurando mais horizontalidade que o que o sensor fornece, fui-me adaptando, pensando nisso aquando da tomada de vista. Mas não estava a gostar da coisa.

Tenho procurado por tudo quanto é lado o pára-sol certo. Lojas de qualidade, grandes superfícies, lojinhas de bairro, lojas de artigos usados...

A moda hoje dos fabricantes é fazerem pára-sois dedicados, formato pétala e com encaixe de baioneta. Permitem serem guardados para transporte invertidos e com menos espaço ocupado mas têm dois defeitos: só são utilizaveis na objectiva para que foram concebidos e são de plástico. Mas barato mas mais frageis.

Ontem fui, sem muitas esperanças, a mais uma lojinha de bairro. Antiga, com o dono já meio entradote, como uma montra de modernidades mas com uma vitrine interior cheia de coisas de outros tempos: aneis adaptadores de baionetas e de filtros, tampas várias, cabos dedidados para flashes, algumas peças que nem eu sei bem para que servem. Mas nada de pára-sol.

Meio desanimado, antes de sair ainda perguntei se, por mero acaso, não teria o que procurava. E tinha! Não exactamente com o formato que eu tinha idealizado, mas perfeito para a função. E, melhor ainda, uma tampa compatível com o respectivo pára-sol, evitando ter que o tirar para a proteger. Não poderia ser melhor. Ainda por cima, mais barato que um almoço em qualquer restaurante nas imediações.

Perfeito!

Vou ser muito egoísta: não vou revelar onde fica a lojinha. Ele há tesoiros que temos que guardar e este é um desses.

Mas se algum dia precisarem de alguma peça, daquelas que não há nas grandes lojas e que, por vezes, quem lá trabalha nem sabe que pode existir, avisem-me. Sempre posso eu dar lá uma saltada e talvez encontrar, junto com mais alguma preciosidade que me convenha.

 

Informação adicional: esta fotografia foi feita com uma vetusta Tamron adaptal2 90mm f/2,5, usando a sua máxima abertura. Possuo-a há mais de 30 anos e continua a ser uma das minhas primárias preferidas. Pelo ângulo de visão (27º se a memória me não falha), como pelo “handeling”, pela escala de reprodução máxima (1:2) mas, e principalmente, pela sua qualidade ótica.

 

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Templos




Há quem se perca em centros comerciais. Há quem fique estasiado perante catedrais. Há quem não perca festivais de verão.

Por mim uma livraria, daquelas que não se atêm aos títulos da moda, é uma tentação como uma montra de bolos para um petiz.


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domingo, 10 de abril de 2022

Zona de conforto




A chamada “zona de conforto” é aquela condição na vida onde nos sentimos bem, sem demasiadas contrariedades ou frustrações, onde as espectativas se concretizam melhor ou pior e onde nos refugiamos quando algo corre menos bem.

Tanto pode ser no trabalho, na vida social, nos passatempos, na família... a zona de conforto é um refúgio. E todos temos uma ou mais, seja em que campo for.

Posta esta nota introdutória, passível de ser contestada por alguém que seja estudioso do comportamento humano, uma outra nota introdutória:

Todo o fotógrafo tem um ângulo de visão que prefere.

Mais aberto ou mais fechado, grande angular ou teleobjectiva, todos temos um tipo de visão com o qual nos sentimos mais confortáveis a fotografar.

Existem, creio eu, diversos motivos para isso.

Desde logo o equipamento de que dispõem. Ainda que este dependa da escolha do próprio, a opção tida após a primeira compra ou experiência acaba por determinar em muito a evolução do fotógrafo. Ainda que isto não seja uma regra universal e infalível.

Em seguida o tipo de fotografias que prefere fazer. Paisagem, retrato, técnica, natureza morta, reportagem... cada uma destas categorias, e de muitas outras, têm exigências próprias de ângulo de visão e de perspectiva (ou distância de trabalho) que condicionam o tipo de objectiva que se usa.

Depois... bem, depois o tipo de história que se quer contar e como se quer colocar o espectador perante ela: se dentro do assunto, como um participante, se à distância, como que na plateia. Dar-lhe conforto ou desconforto ao observar o que registámos.

E, por fim, o mais importante de tudo do meu ponto de vista: a personalidade do fotógrafo. Se mais interventivo e próximo dos assuntos, de mais distante e “seguro” em relação ao que regista, se faz um “relato” na primeira pessoa ou se observa pelo visor o que vai acontecendo, mantendo uma posição mais “ciêntífica”.

Os manuais e compêndios argumentam que a objectiva normal, aquela que satisfaz a maioria dos utilizadores e das situações é a que tem por distância focal algo de muito próximo com a diagonal do suporte usado: sensor ou película. Durante anos e no “império” das câmaras que usam película de 35mm, se dizia que era a 50mm. Tal como hoje se diz das Full Frame. Argumentavam que o seu ângulo de visão seria o que mais se aproximaria da visão humana. Sempre o contestei.

Se, por um lado, e como disse acima, depende da personalidade e do tipo de trabalho que se faz, por outro era aquela que se vendia habitualmente com as câmaras por ser a mais fácil e barata de construir com os vidros disponíveis e com o maior rendimento luminoso.

 

Todo este conjunto de factores faz com que, com o passar dos anos e o ir juntando diversas objectivas, amovíveis ou fixas com a câmara que se usa; tenhamos as nossas preferidas. Aquelas que escolhemos em “modo automático” quando não temos um motivo especial. E, em caso de dúvida, procurem-se as biografias e e as notas técnicas de diversos fotógrafos e observem-se quais as preferidas e porquê.

Acontece que não sou nem mais nem menos que qualquer outro. Não farei fotografias de tirar a respiração, mas tenho a minha zona de conforto e os meus ângulos de visão fotográfica preferidos. Tal como perspectiva e distância de trabalho.

Acontece que cheguei a um ponto em que disse “basta”. De algum modo me apercebi que me repito, que não saio da zona de conforto e que o que faço acaba por ser repetitivo. Se preferirem, monótono. Não nos temas ou assuntos registados mas nas abordagens.

“Vai daí” decidi “voltar aos bancos da escola”. Forçar-me a usar outras perspectivas, outras distâncias focais, outros ângulos de visão. Explorar e explorar-me no fazer fotografia diferente.

E se a minha visão de conforto tem sido a da meia-tele à grande teleobjectiva, de agora em diante vou forçar-me a usar a grande angular, meia ou extrema. E re-aprender a fazer enquadramentos nas diversas situações com um ângulo de visão alargado, contrariando o que sempre fiz.

É que, caramba, as teorias para o fazer conheço-as eu. E fartei-me de as descrever a alunos e formando. Jogos de luz, primeiros planos, linhas de fuga, condicionamento na leitura da imagem, o que fica explícito e o que se deixa à imaginação de quem vê...

Não irei mudar de personalidade nem de preferências. Mas quero dominar, dentro do que for capaz, aquilo que nunca foi a minha zona de conforto.

Até porque no dia em eu disser que mais nada tenho a aprender, podem pregar a tampa do meu caixão.


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quinta-feira, 7 de abril de 2022

A mão de deus




Não é assunto sobre o qual me debruce com frequência. Aliás, é raro pensar nele. Mas, nos tempos que correm, como não vir à baila?

Refiro-me à eventual bondade das divindades.

Não sendo eu crente, a questão não se põe. Mas, colocando-me na posição de crente, e usando dos seus argumentos, pergunto como é que uma divindade – e há muitas por onde escolher – pode aceitar que em guerra morram e sofram crianças?

Aceito que, e por via do conceito do livre arbítrio, os adultos passem por isso. No fim de contas, são eles que pegam nas armas, que dão os apoios de retaguarda ou, em última instância, escolhem os líderes ou permitem que estejam nesse posto.

Donde, de uma forma ou de outra, os adultos ou jovens adultos são responsáveis pelo sofrimento que infligem ou sofrem.

Mas onde está a responsabilidade de crianças de tenra ou não tanto idade, ao serem estilhaçadas ou ficarem sob os escombros?

As divindades, a existirem, é suposto serem bondosas para com aquilo que criaram: os humanos. Perante isto, são-no?

E, note-se, não localizo a questão em nenhum ponto do globo em particular.

Claro que há um agora que alimenta os media, mas em muitos outros, perdidos no olvido conveniente do quarto poder, as crianças continuam a morrer, quer seja a tiro quer seja de fome devido aos tiros.

Perante isto, o meu agnosticismo pende muito seriamente para o ateísmo.


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terça-feira, 5 de abril de 2022

Verdade fotográfica?




 Os objectos não mentem! Um prédio não mente, um garfo não mente, a lua não mente.

Aliás, e sobre a lua, costuma-se dizer que a lua é mentirosa. Isto porque, quando em quarto-decrescente aparenta ser um “C” e em quarto-crescente aparenta ser um “D”. Já do lado de lá do equador, Brasil por exemplo, a lua é verdadeira, assemelhando-se no seu formato às letras que atribuímos ao seu estado. Deve-se esta peculiaridade não à lua, que estará sempre da mesma forma, mas à posição de quem a vê, que no outro hemisfério se está de “pernas para o ar” em relação ao que acontece em Portugal.

Vem esta conversa a propósito de uma discussão quase tão velha quanto a fotografia: A fotografia é mentirosa ou verdadeira?

Eu diria que nem uma coisa nem outra. A fotografia é, apenas.

A mentira ou verdade está em quem a vê e quem a conta. Está em atribuir-se-lhe valores, está em dizer-se “isto é verdade, que eu estava lá!” ou em dizer-se “isto é verdade, é uma fotografia!”

Isto acontece porque se entende que a fotografia, sendo um sistema mecânico e autónomo de registo de luz, mostra-a para além dos valores verdade/mentira. E isto acontece porque nos habituámos a ver a fotografia como documento na imprensa, atestando a verdade do texto que a acompanha.

Mas também acontece que a sociedade tem sempre reservas perante o que a fotografia mostra. Os tribunais não aceitam fotografia como meio de prova, a menos que quem a fez esteja para além de qualquer suspeita. E quando se vê uma imagem fotográfica menos comum, era comum ouvir-se “Ah, isso é montagem”. Hoje o que é comum de se ouvir é “Ah, isso é photoshop”, o que vem a dar no mesmo.

Um bom exemplo de como a verdade ou mentira na fotografia depende, em exclusivo, do valor que lhe atribuímos, é a fotografia vencedora do World Press Photo de 2006. Nela vemos um carro de aspecto impecável, de capota descida e com alguns jovens a bordo, cruzando uma zona destruída por bombardeamentos no sul de Beirute. Lembro ter ouvido inúmeros comentários depreciativos sobre os jovens: “Como é possível andar-se assim no meio de tanta desgraça?!” Aquilo que a maioria não sabia ou não sabe é que esses mesmos jovens estavam no seu próprio carro, no seu próprio bairro, à procura da sua própria casa, bombardeada e destruída como todas as outras.

Em contrapartida, se mostrar eu esta fotografia, muitos serão, como foram, que perguntarão se terei colocado um arame no interior do cigarro. A minha resposta é, como sempre foi, que a fotografia mostra o que realmente aconteceu, resultado de paciência, algumas tentativas e muitos anos de fumador. Sem arames ou quejandos.

Como terceiro exemplo, os serviços policiais que investigam os casamentos de conveniência com o objectivo de obter a cidadania portuguesa procuram, entre outros motivos de prova do afecto ou não entre os recém casados, a existência de fotografias que relatem o tempo de namoro: festas, amigos, lugares em comum, gestos de afecto… Claro que isto é um absurdo, que todos sabemos que tudo isso pode ser falsificado e que, em menos de uma semana e com as ajudas inevitáveis, qualquer um interessado no embuste cria uma vivência de anos de namoro num álbum fotográfico.

Assim, e voltando a um tema que tem mais de 150 anos, a fotografia não é nem verdadeira nem falsa. É a afirmação de veracidade de quem a mostra ou a interpretação como verdadeiro ou falso de quem a vê que lhe dá o valor moral.

Por mim, aceito qualquer imagem fotográfica. E interpreto-a, sempre, como verdadeira no sentido de ser aquilo que o seu autor me quis mostrar. Mesmo uma casa de pernas para o ar ou um rato de fato espacial a roubar pedaços de queijo da lua.

Quanto à factualidade do representado na fotografia, reservo-me sempre o direito de a pôr em causa, comparando o que vejo com a minha própria experiência e saber, considerando a credibilidade de quem a mostra e o que o seu autor me diz sobre a sua veracidade.

Quanto ao resto, e nos tempos que correm e com as tecnologias e media existentes, é sempre aconselhado usar de algum cepticismo. 


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segunda-feira, 4 de abril de 2022

Aberrações




Eu sei que os negócios não estão pelo melhor e há que convencer as pessoas a consumir. Mesmo que sejam produtos de consumo básico como alimentação.

Também sei que a publicidade é uma forma importante de divulgar negócios e produtos. E que na publicidade vale quase tudo menos tirar olhos.

Mas conspurcar uma obra pública, concebida com uma determinada estética de forma, uso e cores com um anúncio berrante e contrastante com o local onde se encontra...

Será, talvez, um acréscimo de rendimento a quem possui a estação de caminho de ferro, mas será um atentado visual a quem ali passa. E, convenhamos, praticamente todos os que ali passam sabem que no interior da estação de comboios está um supermercado.

Imagine-se algo de semelhante dependurado das cornijas do mosteiro dos Jerónimos. Ou uma bandeira publicitária hasteada no topo da torre dos Clérigos. Ou na Cabra de Coimbra.

É importante manter os negócios em funcionamento. Mas creio haver limites onde a estética se sobrepõe a todo o resto.


By me

domingo, 3 de abril de 2022

Modelo prime




Esta fotografia foi feita no âmbito de uma acção de formação de iluminação de estúdio que frequentei.

Teve uma componente teórica e uma componente prática, com uma modelo para praticarmos. E cada um dos formandos escolheu o tipo de luz que melhor entendeu. Esta foi uma das minhas abordagens que, como não poderia deixar de ser, considera que a luz principal vem do lado de lá do assunto. Preferências minhas que agora não irei desenvolver.

O que de facto acabou por ter graça foi demais fromandos, bem como o formador, terem achado estranho, ou incomum, a objectiva que estava a usar: uma velhota Tamron, de 90mm e completamente manual. Foco e exposição.

Estranharam o ser uma focal fixa, ou “prime” como hoje lhes chamam, e o ser manual.

Tentei explicar-lhes que, e para além de estar habituado a tal, gosto de ser eu a tomar decisões sobre o que capto (forma, conteúdo, técnica) no lugar de deixar parte desse trabalhao ao “japonês inteligente” que reside no interior da câmara.

Claro que os automatismos são úteis. Em momentos em que a rapidez de acção é vital. O desporto é um bom exemplo.

Mas sendo que gosto de brincar com a luz e contrastes, ainda não consegui que o tal japonês me adivinhe o que tenho em mente.

Por outro lodo, e apesar de não ser um especialista na edição de imagem, conheço razoavelmente bem a câmara e o seu resultado, bem como as ferramentas do editor que uso para, quando faço a tomada de vista, ter uma noção muito aproximada do resultado final.

Já quanto ao serem focais fixas... bem, é uma prazer pessoal. Gosto de, em vendo o assunto e decidindo o enquadramento e perspectiva, escolher a objectiva que vou usar. Treino no olhar é importante e eu gosto de me treinar e aprimorar. E, indo mais longe, se necessitar de repetir de seguida porque algo não correu como gostaria, tenho a certeza que o ângulo de visão é o mesmo que a anterior.

Como se isto não bastasse, nos meus inícios na fotografia, as objectivas zoom eram não só dispendiosas como não muito comuns no mercado. E, pese embora tenha sido uma zoom a primeira objectiva adicional que comprei, sempre preferi a focais fixas.

O que acaba por ter graça é que ainda hoje, passados que são quase dez anos sobre esta fotografia, a maioria prefere o uso de zoom. Talvez porque se esqueçam ou não saibam que o corpo humano tem uma zoom perfeita, a dois tempos: pé esquerdo e pé direito.

Ainda sobre esta fotografia, um detalhe adicional:

Dos diversos formandos presentes fui o único que sugeri uma história para que o modelo interpretasse. Contei-lhe um motivo para ali estar, o que eventualmente pudesse pensar a esse respeito e deixei que agisse em conformidade. Os demais formandos fotografaram as poses que ela foi propondo e fazendo, com a expressão, com os membros, com o corpo. Com uma reduzida cumplicidade entre os dois lados da objectiva.

Por aquilo que pude ver do que fiz e do que fizeram os demais, só comigo ela “ofereceu” o ombro esquerdo à câmara, como aqui se vê. O que bate perfeitamente com a situação que lhe sugeri. Nos restantes trabalhos a posição corporal ou foi frontal ou foi com o ombro direito um pouco avançado.

Para quem tiver curiosidade, sugiro que inverta esta imagem e tente perceber como a história que conta é completamente diferente.

Os meus cinco cêntimos.


By me

sábado, 2 de abril de 2022

Nós e eles




“O céu é meu teto; a terra é minha pátria e a liberdade é minha religião”


Alguém escreveu esta frase num comentário numa rede social.

É tida como sendo o lema do povo cigano, nómada, escorraçado, maldito. Olhado de lado por todos aqueles que se amarraram a um pedaço de terra e que o não partilham com quem quer que seja, menos ainda se for “diferente”.

li-a há quase meio século e adoptei-a como minha.

Honra e respeito por aqueles que há muito foram escorraçados das suas origens, onde viviam tranquilos e que, até hoje, são mal recebidos por onde passam ou querem ficar. Mas que, contra tudo e contra todos, sem história escrita nem monumentos que venerem, conseguem manter uma cultura muito própria.

Se fossem ricos e avarentos, se negociassem em diamantes ou na usura, talvez hoje tivessem um pedaço de terra que chamassem de sua, com as grande potências mundiais a darem-lhes apoio encapotado.

Mas não sendo, são os párias do ocidente, olhados de lado e temidos como a peste.

E quem somos nós, descendentes de francos e latinos, mouros e gregos, numa mistura de culturas e credos, para ostracizar quem se manteve intacto ou quase durante mais de um milhar de anos?

Honra e respeito àqueles que, contra tudo e contra todos, legais ou religiosas, sobreviveram séculos de perseguições e malvadezas: os ciganos.

Revejo-me por completo no seu lema.


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sexta-feira, 1 de abril de 2022

Não gosto




Não que fosse bonito. Nunca achei que fosse. Mas era um marco nesta zona da cidade.

Em sendo questionado sobre onde ficaria algo, responderia-se que “Segue por ali e, em chegado ao prédio amarelo, é logo ao lado”.

Há uns anos, creio que por vontade dos proprietários e a anuência do município, mudaram-lhe a cor. De amarelo berrante, passou a branco respendecente ao sol. E não mudou para melhor, do meu ponto de vista.

É que, mesmo que não ofendendo os olhares, passou a ser mais um na urbe, no lugar de um icónico, como o do “totobola” em Santos, o “franjinhas”  mais abaixo ou outros que, sendo “feios”, servem de marco.

Marco na malha urbana, diferenciam-se da quase uniformidade da cidade e dos diversos bairros.

O sentido “estético” dos arquitetos e dos donos da obra, aliado às norma municipais podem escapar ao consenso dos cidadãos e ao seu “bom gosto”.

Mas a cidade é coisa viva, evolutiva, palpitante, prenhe de gente com diversas opiniões e gostos. E se nos ativermos a normas rígidas e atávicas, acabará por ser mais um daqueles bairros uniformes, em que somos obrigados a ler as placas topinímicas para não nos perdermos, de tão iguais que são as edificações.

Indo mais longe, bonitas nas maquetas mas aborrecidas e antissépticas de viver.

O prédio amarelo há anos que o deixou de ser. E há anos que desgosto da mudança.


By me