O texto abaixo, tal como a fotografia, datam de 2008,
dezembro.
Pergunto-me que terá acontecido aos intervenientes.
Estava atrasado para o trabalho.
Quem quer que me conheça sabe que isso me incomoda de
sobre maneira. Prefiro, de longe, chegar antes e esperar a chegar atrasado,
onde quer que seja. Manias!
Em qualquer dos casos, o atraso só aconteceria se
esperasse pelo autocarro que, a dar fé no aviso luminoso, demoraria ainda uns
bons 30 minutos. A alternativa, como noutras situações semelhantes, seria
apanhar um táxi. Não é barato, mas prefiro isso e ficar tranquilo.
O primeiro que vi e que sinalizei fez-me que não com a
mão. Olhei melhor e tinha registo de Oeiras, fora de Lisboa, e não poderia
tomar passageiros aqui onde estava.
O segundo bem que viu o meu braço esticado, sinal
inequívoco para parar o carro. Mas fez que não me havia visto, talvez assustado
com o meu ar meio pai-natal, meio Fidel, meio Taliban, que é assim que tenho
sido classificado na rua, ao passar. Nada que me surpreenda ou incomode,
excepto nestas circunstancias.
O terceiro era de Lisboa e transportava quem quer que
fosse, aspecto, idade ou apelido. E bastava olhar para o carro para ver que já
tinha transportado mais do que poderia contar. Aliás, fui eu mesmo que receei
entrar nele, que nada me garantia que conseguisse levar a bom porto o trajecto
que lhe pedisse.
Entrei, que cliente com pressa não pode ser esquisito,
mas meti conversa com quem ia ao volante. Em boa verdade, não preciso de um
pretexto para isso, que tagarelar com taxistas é sempre um prazer e uma lição
para o dia.
Mas sempre lhe perguntei, depois de indicar para onde
queria ir, que idade teria a viatura.
O sorriso que senti mas não vi, que não lhe chegava à
nuca, foi delicioso:
“Faz amanhã 25 anos que andamos juntos, eu e ele!”
Era um pouquinho mais novo do que supunha. E alimentei
a conversa com um elogio ao estado de conservação do táxi, por fora e por
dentro.
“É verdade que sim. Tantas horas por dia aqui dentro,
é como que uma segunda casa. E tem que estar como eu gosto dela. Sabe, ele já
não anda muito. Ali nos “cabos ávila” queixa-se e vai a passo. Mas eu também
não vou depressa, que na cidade não posso e a idade já não o pede.”
E foi acrescentando que já tinha 70 anos, que a
reforma de um taxista é pequenina e que havia de ir ganhando a vida ali
enquanto pudesse. Até porque a mulher estava doente e o dinheiro sempre fazia
falta.
“Em qualquer dos casos”, rematou, “se eu parar de
andar aqui já não sei o que fazer na vida. Enquanto puder, e à minha velocidade
e a daqui do meu parceiro, havemos de continuar na cidade!”
Apesar do transito e da velocidade do vetusto carro e
motorista, cheguei a tempo ao trabalho.
E com a secreta esperança de, se chegar a esta idade,
ainda ter uma ou duas das minhas fieis câmaras de hoje.
Parabéns ao Mercedes 240D e ao seu motorista!
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