sábado, 25 de dezembro de 2021

Epitáfio




Fotografar um velório? Não me parece ser das coisas mais comuns ou apetecíveis. Pelo menos por cá, que culturas há que o fazem, com o maior respeito pelos defuntos e familiares.

Exactamente por isso, no lugar de fotografar a defunta, preferi fotografar os parentes, que não arredaram pé de junto dela. Umas mantendo o viço do verde, outras mostrando que o tempo deixa marcas.

Quanto à tombada, trata-se uma conífera, com talvez mais de cinco metros de tronco despido de galhos e bem mais do dobro com galhada com folhas permanentes verdes na forma de agulhas. Na ponta das quais se juntam as águas da chuva sob a forma de gotas que se debatem com o dilema de ali ficarem, penduradas, ou deixarem-se cair quando engordadas.

Enquanto erecta, marcava presença com a sua magnificência no meio de um dos terreiros da jardim da estrela. As suas raízes de superfície foram, ao longo dos anos, deformando o tapete betuminoso e rosado com que revestiram as zonas pedonais. Forte obstáculo para aprendizes de caminhar ou utilizadores de bengalas ou muletas, desafio aliciante para os utilizadores de bicicletas, trotinetas ou skates, que usavam os declives como forma de se afastarem do chão durante um ou dois segundos, demonstrando assim a sua perícia e gerando a adrenalina necessária à prática desportiva.

No seu tombar, deixou bem funda a sua raiz vertical própria da espécie, bem como as de superfície. Partiu-se, muito simplesmente, pertinho do canteiro de pedra que circundava o tronco. E não sei se provocou vítimas humanas, mas estou em crer que não, ou o sensacionalismo informativo teria falado disso. Que uma decana árvore morrer de pé, mesmo que tenha propiciado incontaveis horas de sombra amena na canícula, não é motivo de relato.

Tal como não é motivo de trabalho de escribas o ter a copa, ao tombar, destruído parte de um canteiro de rosas da Galileia, oferta da embaixada Israelita há anos e não sei porque motivo. Mas com direito a placa alusiva ao facto.

A morte faz parte da vida, humanos ou não, animais ou vegetais. Os jardineiros municipais terão um pesado trabalho pela frente, ao darem destino a esta frondosa árvore. Para já, limitaram-se a cercar o seu corpo com uma fita vermelho e branca, como se ninguém se apercebesse da sua presença e corresse o risco de nela tropeçar.

Pro mim, que soube do facto pelas redes sociais, fui lá despedir-me dela, que muito me protegeu enquanto ali fui o fotógrafo À-Lá-Minuta. E da minha presença no local fica o registo dos parentes que se aguentam a pé firme. Que não fotografo velórios ou funerais. Muito menos de amigos.


By me

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