sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Cumplicidades




Quando o vi, não estava assim nem aqui.

Sentado a poucos metros, fumava um cigarrito sem máscara. Cumprimentámo-nos à distância, enquanto eu fazia o mesmo.

Mas, talvez por eu o ter a descoberto, fiquei com vontade de meter o nariz e encetar uma converseta. E aproximei-me.

Depois de um bom dia, que fica sempre bem, fiz-lhe a pergunta: “Já nos conhecemos há muito, por aqui. Há quanto anos usa este mesmo local nesta época?”

“Já faço isto há uns vinte anos. Mas aqui, no natal, desde 2009 ou 2010”.

O sotaque não deixou dúvidas: era natural de algures do leste europeu. E questionei-o também nisso.

“Sou romeno, mas já cá vivo há muito.” O vocabulário era perfeito.

Acabou o cigarro e levantou-se, que ali sentado, na conversa, o dia não rende. E colocou a máscara, tal como as luvas, que encobrem mãos bem tatuadas.

Foi então que percebi o que me incomodara: só parte da cara estava pintada, a metade superior. Ao colocar a máscara, quase nada de pele se vê.

Está certo! Não apenas gasta menos tinta, como esta com a humidade da respiração e sob o pano, deve ser bem incómoda, mais que o resto.

Pedi-lhe por uma fotografia, que acedeu. Felizmente, a sua posição habitual, voltado para a porta do centro comercial, permitiu-me a luz que mais gosto: vinda do lado de lá do assunto.

Feito registo, uma das raras verticais que faço, escolhi algumas das moedas maiores que tinha no bolso e deitei-as na caixa, à sua frente. No fim de contas, ele está a trabalhar e deve ser pago por quem usufrui desse trabalho.

Afastei-me com um aceno de cabeça, que os sorrisos ficaram tapados pelas máscaras, ao que respondeu com uma ligeira vénia e um tirar de chapéu.

Espero vê-lo, no ano que vem, sem máscaras de permeio.


By me

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