segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Photógraphos




Por vezes gostava de conseguir seguir a linha desta canção, da ópera “Porgy and Bess”: “I got plenty o’ nottin”.
O conceito de nada possuir que não os afectos, o universo e um tapete é algo de belo, quase utópico. Um desapego do material, um despojar do inútil…
Mas depois…
Depois vêm as vontades de usufruir de todas as outras coisas que temos por belas, por importantes e que, junto com os afectos, nos completam.

Uma ocasião, faz já muitos anos, numa ronda por livrarias tropecei num livro.
Tratava-se de uma colectânea de fotografias pornográficas do séc. XIX, um conjunto raro de encontrar. Que, se bem que o tema sempre tenha sido abordado fotograficamente ou com qualquer outra forma de expressão, a moral pública e a religião sempre fizeram questão de remeter essas representações para locais recônditos, com raríssimas excepções. E o séc. XIX não foi excepção. Aquela colectânea, que se bem recordo até estava muito bem impressa, era um documento na história da fotografia que engrandeceria qualquer biblioteca temática ou conhecimento.
Infelizmente, naquele momento não tinha eu dinheiro para ele, que recordo ser bem caro.
Quando por ele voltei, poucos dias depois, já tinha sido vendido. Para gaudio do comprador e frustração minha.
Sendo certo que não haverá temas tabu para serem fotografados, ao longo dos anos fui juntando algumas outras obras sobre o assunto. Algumas no meio de muitas outras que por aqui possuo. E muito menos do que gostaria, sobre o tema ou qualquer outro.
Que se há coisa que me dá prazer é ver ou rever livros ou exposições fotográficas, em que os autores deram o melhor de si para exprimirem sentimentos ou satisfazerem clientes ou público. Mesmo a pornografia, o nu, o erótico. Ou a guerra, os massacres, os políticos, a fome. Mesmo que se tratem de temas que não me sejam queridos, que me incomodem até, a fotografia é tão abrangente quanto a mente humana. E uma das coisas que me atrai na fotografia é o ela ser o espelho da humanidade. Um dos espelhos da humanidade.
E se aquilo que faço é em parte com esse objectivo, fará todo o sentido procurar os trabalhos de outros, mesmo que não me agradem, para deles tirar pistas e criar a minha própria linha de abordagem. Por muito má que seja, será a minha abordagem e a minha forma de ver e de me expressar.
Sobre o agora badalado e polémico caso da exposição de trabalhos de Mapplethorpe, o mais provável é não a ir ver.
Pese embora a qualidade das impressões dever ser muito boa, pese embora o tamanho das impressões estar de acordo com o autor (o tamanho da imagem final é algo que, as mais das vezes, se esquece e, no entanto, é vital no processo fotográfico, desde a tomada de vista até à exibição ou venda), pese embora seja bem diferente o ver fotografias numa parede ou num livro (já nem falo no ecrã do computador), o autor e o seu trabalho não me atrai o suficiente para ir passar um dia fora da minha cidade, com pernoita incluída.
Fico-me pelo livro com parte das suas fotografias que aqui tenho, há anos. A que, talvez uma vez por ano ou nem isso, dou uma olhada. E que, em sendo a oportunidade certa, uso para neófitos verem, mesmo que em terapia de choque, para que o seu conhecimento sobre a arte e a técnica fotográfica seja bem mais abrangente que aquilo que tantos académicos, lentes e profs permitem que se conheça.
O conhecimento não é, por si só, nem bom nem mau. É apenas uma ferramenta para os nossos próprios caminhos. E quantas mais ferramentas tivermos, melhor e mais profícuo será ele.

By me

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