Há por aí uma campanha séria sobre as pontas de cigarro
jogadas fora indolentemente no espaço público. A forma como são levadas para o
meio da natureza e os seus efeitos poluidores.
É uma boa campanha, meritória e à qual devíamos dar atenção.
Contra mim falo.
Mas esta campanha, incluindo uma cidade onde jogar uma ponta
de cigarro na rua dá direito a multa, recorda-me uma outra questão. Bem mais animal.
Urina e fezes.
Sabemos, e todos concordamos, que fezes e urina na via
pública ou em espaços abertos nas povoações, são prejudiciais à saúde pública. É
um saber básico. E sabemos que a lei, nacional ou local, o proíbe e pune. Quer
se trate de dejectos animais ou humanos.
E se no que diz respeito aos dejectos de canídeos se
recomenda que quem os vem passear à rua traga consigo um saco para os recolher,
já no que diz respeito aos humanos isso não é pedido. Mesmo que alguém tenha
consigo um saco para recolher as próprias fezes, o facto de defecar em público
é delito. Ambiental e moral, que para o fazer haverá que exibir as partes
pudendas e isso é considerado imoral e punível por lei.
Resta assim, ao pobre ser humano, procurar um local recatado
e fechado aos olhares dos restantes para defecar ou fazer um xi-xi de urgência.
E a questão põe-se no onde. Onde jogar a ponta do cigarro ou
onde satisfazer as necessidades fisiológicas.
Para os cigarros (e papeis, embalagens, etc.) a sociedade
distribui pelas ruas e praças locais próprios onde os colocar. Papeleiras
presas em postes, muitas com um pedacinho de metal onde é possível apagar o
cigarro e jogá-lo no interior sem risco de incêndio. Ou superfícies rugosas, no
rígido plástico do contentor, onde se pode fazer o mesmo. Ou, no caso de jardins,
caixotes mais ou menos enquadrados na paisagem e estrategicamente distribuídos.
Encontrámos soluções práticas para problemas que nós mesmos criámos.
Já para os dejectos humanos não encontrámos soluções.
Públicas e de acesso generalizado.
A solução, que todos conhecemos, é recorrer a estabelecimentos
comerciais, grandes ou pequenos, pedindo o favor de nos deixarem usar as
instalações sanitárias. E trata-se de um favor, já que a lei não obriga os
comerciantes a disponibilizar tal local. Só se o aflito for cliente e fizer
despesa.
Na agora encerrada Pastelaria Suíça, o acesso aos sanitários
era reservado a quem consumisse ou pagasse para tal. Cinquenta cêntimos, se bem
me recordo.
O mesmo sucede a quem esteja na maioria das estações de
caminhos-de-ferro. Pelo menos em Lisboa e arredores. Para aliviar a tripa ou a
bexiga há sanitários mas pagos. Portas que só abrem com uma moedinha ou um
torniquete e um funcionário que controla os acessos e mantém a higiene do
local.
A única alternativa realmente gratuita para um xi-xi ou cocó
na cidade de Lisboa é recorrer a um centro comercial. Aí ninguém pergunta nada
a ninguém. Entra-se no espaço, procura-se a placa indicadora, faz-se o que se
tem que fazer, incluindo o lavar de mãos, e sai-se anonimamente.
Mas procurem lá um sanitário, pago ou gratuito, em dias como
o de Natal, de Ano Novo ou quejando. Zero ou quase.
Em tempos havia pela cidade os urinóis públicos. Dos quais
ainda restam alguns, raros. Uns em alvenaria, com horário de funcionamento,
outros de metal, sempre disponíveis, mas apenas para a fisiologia masculina.
Conheço uns dois ou três ainda existentes e recordo outros, entretanto
demolidos.
Indo mais longe, esta questão dos sanitários públicos para
quem está na rua é um problema para quem nela trabalha. Que o diga quem conduz
profissionalmente na cidade (transportes de pessoas ou mercadorias), feirantes,
pessoal de limpeza urbana, agentes das forças de segurança, reparações na via
pública…
Torna-se assim curioso reparar como resolvemos problemas
criados pela civilização, proibindo, facilitando e inovando nas soluções, mas
somos incapazes de solucionar para todos aquilo que a natureza nos impõe
igualitariamente.
Que até para um salutar cocó é preciso ter sorte ou
dinheiro.
By me
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