segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Os cigarros e a merda ou a merda dos cigarros




Há por aí uma campanha séria sobre as pontas de cigarro jogadas fora indolentemente no espaço público. A forma como são levadas para o meio da natureza e os seus efeitos poluidores.
É uma boa campanha, meritória e à qual devíamos dar atenção. Contra mim falo.
Mas esta campanha, incluindo uma cidade onde jogar uma ponta de cigarro na rua dá direito a multa, recorda-me uma outra questão. Bem mais animal.
Urina e fezes.
Sabemos, e todos concordamos, que fezes e urina na via pública ou em espaços abertos nas povoações, são prejudiciais à saúde pública. É um saber básico. E sabemos que a lei, nacional ou local, o proíbe e pune. Quer se trate de dejectos animais ou humanos.
E se no que diz respeito aos dejectos de canídeos se recomenda que quem os vem passear à rua traga consigo um saco para os recolher, já no que diz respeito aos humanos isso não é pedido. Mesmo que alguém tenha consigo um saco para recolher as próprias fezes, o facto de defecar em público é delito. Ambiental e moral, que para o fazer haverá que exibir as partes pudendas e isso é considerado imoral e punível por lei.
Resta assim, ao pobre ser humano, procurar um local recatado e fechado aos olhares dos restantes para defecar ou fazer um xi-xi de urgência.
E a questão põe-se no onde. Onde jogar a ponta do cigarro ou onde satisfazer as necessidades fisiológicas.
Para os cigarros (e papeis, embalagens, etc.) a sociedade distribui pelas ruas e praças locais próprios onde os colocar. Papeleiras presas em postes, muitas com um pedacinho de metal onde é possível apagar o cigarro e jogá-lo no interior sem risco de incêndio. Ou superfícies rugosas, no rígido plástico do contentor, onde se pode fazer o mesmo. Ou, no caso de jardins, caixotes mais ou menos enquadrados na paisagem e estrategicamente distribuídos. Encontrámos soluções práticas para problemas que nós mesmos criámos.
Já para os dejectos humanos não encontrámos soluções. Públicas e de acesso generalizado.
A solução, que todos conhecemos, é recorrer a estabelecimentos comerciais, grandes ou pequenos, pedindo o favor de nos deixarem usar as instalações sanitárias. E trata-se de um favor, já que a lei não obriga os comerciantes a disponibilizar tal local. Só se o aflito for cliente e fizer despesa.
Na agora encerrada Pastelaria Suíça, o acesso aos sanitários era reservado a quem consumisse ou pagasse para tal. Cinquenta cêntimos, se bem me recordo.
O mesmo sucede a quem esteja na maioria das estações de caminhos-de-ferro. Pelo menos em Lisboa e arredores. Para aliviar a tripa ou a bexiga há sanitários mas pagos. Portas que só abrem com uma moedinha ou um torniquete e um funcionário que controla os acessos e mantém a higiene do local.
A única alternativa realmente gratuita para um xi-xi ou cocó na cidade de Lisboa é recorrer a um centro comercial. Aí ninguém pergunta nada a ninguém. Entra-se no espaço, procura-se a placa indicadora, faz-se o que se tem que fazer, incluindo o lavar de mãos, e sai-se anonimamente.
Mas procurem lá um sanitário, pago ou gratuito, em dias como o de Natal, de Ano Novo ou quejando. Zero ou quase.
Em tempos havia pela cidade os urinóis públicos. Dos quais ainda restam alguns, raros. Uns em alvenaria, com horário de funcionamento, outros de metal, sempre disponíveis, mas apenas para a fisiologia masculina. Conheço uns dois ou três ainda existentes e recordo outros, entretanto demolidos.
Indo mais longe, esta questão dos sanitários públicos para quem está na rua é um problema para quem nela trabalha. Que o diga quem conduz profissionalmente na cidade (transportes de pessoas ou mercadorias), feirantes, pessoal de limpeza urbana, agentes das forças de segurança, reparações na via pública…


Torna-se assim curioso reparar como resolvemos problemas criados pela civilização, proibindo, facilitando e inovando nas soluções, mas somos incapazes de solucionar para todos aquilo que a natureza nos impõe igualitariamente.
Que até para um salutar cocó é preciso ter sorte ou dinheiro.


By me

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