Quando hoje vejo ou oiço falar da protecção que os pais dão
aos seus filhos… Recordo a minha ida de férias quando catraio pequeno.
Com destino ao Algarve, onde viviam os meus avós, embarcava
eu num autocarro na margem sul sozinho. Suponho que motorista e cobrador
ficariam com a incumbência de me vigiar, mas ninguém me acompanhava, a um
pirralho ainda na primária.
A viagem durava todo o dia, desde quase madrugada até depois
da hora do lanche, com paragem em todas as vilas, aldeias e intermédias. E eu
assistia a tudo isso sentado no banco da frente, com vista privilegiada para a
estrada.
Havia sempre tempo, em algumas localidades, para ir à
casinha ou para comprar um nogat, delícia de putos de então e que não se
encontravam com facilidade pela capital.
O almoço era passado numa garagem, mais ou menos a meio
caminho. Uma hora inteirinha, em que eu atacava o farnel que levava (hoje
chamam-lhe marmita). Senti-me gente crescida quando, um ano, no lugar de
lancheira me deram dinheiro para eu comer num café nas imediações da estação.
O desembarque era numa aldeia, sem estação ou abrigo, quase
no meu destino. E haveria que esperar um pedaço ali, sentado ao lado do sinal
de paragem em pedra, que viesse a outra carreira que haveria de me levar ao meu
destino final. Nos primeiros tempos tinha o meu avô à minha espera, depois já
nem isso, que eu bem sabia que seguiria na única que ali passasse. Sem nunca
esquecer de cumprimentar o sr. Correia, cobrador dessa linha e que vivia lá na
aldeia.
A casa de meus avós, na beira da estrada, distava uns bons
quinhentos metros da aldeia, para um lado, e outro tanto da paragem anterior.
Não fazia diferença, que a carreira faria o favor de parar ao portão, na curva,
para eu desembarcar.
Tudo isto sem wi-fi, gps ou telefonemas inquisitórios sobre
onde estaria eu, se teria comido bem ou se estaríamos atrasados. Matava o tempo
contando os sinais de “curva” do caminho (eram muitos que não havia IPs então e
o trajecto fazia-se pelas serras), tentando fazer ligação entre as matriculas
dos carros que nos ultrapassavam com qualquer palavra ou expressão que me
lembrasse ou palpitando sobre o tempo de ainda demoraria até à povoação
seguinte, regulando-me pelo relógio da camionete. O meu primeiro relógio de
pulso recebi-o eu aquando do exame da quarta classe, um Caunny de contrabando,
a que perdi o rasto há muito mas de que acabei por encontrar uma fotografia na
net há uns tempos.
O regresso de férias era equivalente, com a única diferença
de embarcar na cidade perto da aldeia, no lugar de numa paragem intermédia.
Que, se bem recordo, as carreiras tinham horários conjugados entre si e os
comboios e a da manhã saía muito cedo para fazer a ligação com a estação da CP,
lá na cidade.
Os bilhetes eram comprados a bordo, se o embarque não fosse
numa estação ou fosse em cima da hora. O cobrador tinha um livrinho próprio,
onde escrevia a origem e destino, bem como o valor, entregando parte ao
passageiro, ficando o “canhoto” com ele. Mas antes de entregar era validado com
um alicate destes, “obliterado” no seu termo correcto. Durante o trajecto,
muitas folhas de papel furei eu com um, tentando fazer desenhos nela com o
picotado obtido.
Sim porque levava um caderno para escrever e um bloco de
papel de carta. Para os que não sabem, os blocos de papel de carta tinham um
formato próprio, para que as folhas pudessem ser correctamente dobradas no
sobrescrito. E mais finas, para que se pudessem escrever longas missivas e as
cartas pouco pesassem. Eu tinha por dever enviar uma por semana para casa, que
as férias duravam um mês ou mais. Tal como recebia uma por semana, em regra
junto um ou dois livros para ler.
Quando vejo os pais hoje sobre protegerem os filhos, não
lhes permitindo o subir a árvores, com mensagens regulares sobre localização e
etc., alertando-os para um montão de perigos mas não lhes dando as ferramentas
para os evitarem…
Lembro-me das aventuras de férias, saudáveis, incólumes e
que me deram auto-suficiência para o resto da vida. A mim e a tantos outros.
By me
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