Porque hoje
está frio, lembrei-me deste episódio
"Merda! É a única palavra que me vem à cabeça. Merda!
Pediu-me para uma sopa e
fomos por ela. E disse-lhe que pedisse o que quisesse, já que não sabia se
naquele snack de estação e àquela hora ainda haveria sopa. Já não e olhou-me,
perguntado, se poderia ser um salgado e um sumo.
Disse-me depois, já no
cais e enquanto esperávamos pelo comboio, que queria mesmo era uns trocos para
poder pagar o quarto. Há três noites que estava a dormir num vão e não sabia se
ainda lá estaria a roupa.
O que lhe faltava era
menos ainda que o que eu havia recebido de troco, ao balcão. Dei-lho.
Olhou para mim, bem nos
olhos pela primeira vez, e disse-me:
“Sabes? Isto hoje não é
para mais nada. É mesmo só para o quarto. Estou tão cansada!”
“Não te perguntei nada,
pois não? E ainda não me deste motivos para que não acreditasse em ti, pois
não?”
Sorriu ainda mais.
E ficámos mais um nico à
conversa, sobre a sua família lá na terra, os seus filhos e as idades, as
reacções do pai e da mãe quando lá vai…
A dado passo, e antes de
subirmos para a composição, mete a mão no bolso do casaco coçado e diz-me:
“Olha! Já vi que fumas.
Não queres ficar com este maço? Está quase cheio. Deram-mo hoje.”
Mostrei-lhe os meus e
disse-lhe que preferia fazê-los eu, obrigado.
Merda! Não me recordo de
me terem oferecido algo de tão valioso. Merda!
Quando, uns vinte minutos
depois, se levantou do seu banco para sair na estação dela, debruçou-se e
deu-me dois chochos, dizendo baixinho:
“Vemo-nos por aí.”
Dei-lhe uma palmadinha no
ombro e só me ocorreu dizer-lhe de resposta, também baixinho:
“Porta-te bem!”
Ficou no ar o seu
sorriso, triste, e o seu odor.
Talvez que por isso
ninguém tivesse ocupado o seu lugar no banco, não sei.
E talvez que nos vejamos
por aí."
Tenho
continuado a vê-la, no comboio ou na estação, durante estes quatro anos. E,
volta e meia, temos tempo para uns dedos de conversa.
O seu aspecto
tem-se detiorado, umas vezes mais depressa, outras nem tanto. E, num desses
encotros, falou-me do seu estado de saúde. Pouco promissor.
Continua a ter
um sorriso cada vez vez que me vê e gasta neles uns segundos mais que em redor
quando me pede uns trocos.
Creio que já
esqueceu o meu nome, que passou a tratar-me por “amiguinho”.
O seu não
esqueço mas aqui não o divulgo, que há privacidades que assim devem continuar:
privadas.
Não sei por
quanto mais tempo a continuarei a ver.
Merda! É a
única coisa que me apetece dizer. Merda!
By me
By me
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