Ignorou heroicamente o sinal de parar que a senhora lhe fez
na paragem. Tal como teve reacção nula ao piscar da luz no seu painel,
resultado de ter eu apertado o botão “parar” quando deixámos para trás a
paragem anterior.
Só imobilizou o autocarro, uns bons cinquenta metros depois
do local próprio, quando ouviu o berro que alerta que dei, bem como um outro
passageiro.
Desembarquei eu, embarcou a senhora, depois de correr aquele
pedaço. E aproximei-me da porta da frente, ainda aberta, para fazer um qualquer
comentário sarcástico sobre o incidente e o ser o ultimo dia do ano. Fiquei
calado.
O motorista, mostrando uma destreza pouco habitual, fechou
as portas, destravou o longo autocarro e retomou a marcha, tudo isto com uma só
mão. Que a outra manteve-se junto à cabeça, segurando o telemóvel com o qual
vinha tendo e continuou a ter uma conversa com alguém algures.
Comentando episódio, alguém me referiu que o telefonema até
que poderia ser importante, com alguém distante ou sobre um parente próximo de
súbito doente. Abstive-me de argumentar.
Dificilmente aceito que a importância de um telefonema possa
colocar em causa a segurança dos passageiros de um autocarro. Um cão surgido do
nada ou uma bola perseguida por uma criança podem acontecer em qualquer lugar,
em qualquer momento. E tenho dificuldade em imaginar um eficaz controlo de um
autocarro, ainda por cima com atrelado como era o caso, por parte de um
motorista que, para além de ir concentrado no telefonema, só tem uma mão livre
para o fazer.
Recuso ficar calado perante um motorista profissional que
assim coloque em risco a vida ou segurança daqueles que nele confiam para
chegarem incólumes ao seu destino.
Recordo ter lido, há uns anos valente, que as sanções legais
que impeçam o exercício de uma actividade profissional também impedem o normal
ganhar a vida de quem nelas incorre. E que será inconstitucional impedir alguém
de ganhar o seu sustento.
Um caso destes, em que a segurança de terceiros é
deliberadamente colocada em risco por um profissional, deveria ser excepção.
Um profissional que assim se comporta deveria ser impedido
de conduzir viaturas por um notório período (um mês, três meses, um ano). Para
que se consciencializasse a sério do acto que cometeu. E para que os
passageiros, que devem confiar em quem conduz, possam continuar a confiar.
E por muito draconiana que possa parecer a medida, prefiro-a
a ter que ir visitar alguém a um hospital ou pior.
Nota adicional –
Este texto cumpre o desafio proposto: escrever um texto médio
sem usar a palavra “não”. É um divertido exercício de escrita, que nos leva a
encontrar fórmulas alternativas para exprimir o vigor da negação de acordo com
situações e sentimentos.
É mais moroso? Claro que sim! Tudo aquilo que saia das
rotinas implica pensar. E isso consome tempo. E energia.
Mas posso garantir que a satisfação de o fazer é real e que
os sentimentos entretanto expressos se relativizam surpreendentemente.
By me
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