terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Zeitgeist


Já estava farto de ouvir “Tens que…”, “Não podes deixar de…”, Já…?”!
Vai daí, aproveitei o facto de estar de folga e estar um dia feio lá fora e encostei-me para o ver.
“Zeitgeist”!
É um filme, melhor dizendo, dois filmes que, não andando na boca do mundo, andam a ser comentados em surdina, quase que a medo. Um certo entusiasmo em torno do seu conteúdo, quase que como uma nova profecia, mas como medos de se confessarem adeptos.
E eu, que sou um péssimo consumidor de acordo com os padrões da sociedade de consumo em que vivemos, andei sempre arredado de o ver, que quanto mais publicidade um artigo tiver, mais eu fujo dele. Manias de ser do contra. Mas desta vez acedi, um pouco mais com curiosidade de saber o anda a fazer tremer alguns dos meus concidadãos que deixar-me ir na onda de uma moda recém-criada.
Quase duas horas cada um o que, em tratando—se de documentários, atesta de alguma qualidade, o ter-me prendido tanto tempo sem arredar pé. E fui ficando curioso com o facto de ali mesmo ir vendo ou revendo boa parte das minhas teorias sobre o mundo actual. De uma forma ou de outra, boa parte do que ali é dito concorda com o que penso.
Este aspecto poderia levar-me a engalanar em arco os filmes, divulgando-os e anunciando-os como uma “boa nova”. Mas não o faço, talvez mesmo pelo contrário! Com as devidas distancias, entendo-o tão perigoso quanto as ideias e conceitos que ele mesmo condena.
É que criar uma teoria até que nem é difícil. E apresenta-la ao público, satisfazendo os seus anseios e exorcisando os seus receios é exactamente aquilo que a primeira parte do primeiro filme condena: a religião. Que, no fundo, mais não é que a explicação daquilo que a ciência e o racional ainda não conseguiram explicar, dando solução àquilo que se teme e receia: a morte e o existirmos a termo certo.
Acrescente-se que este filme pouco mais é que uma sequencia de rumores, aparentemente validados por depoimentos e documentos de gente que desconhecemos ou, pior ainda, afirmações tomadas como dogmas.
E, numa época em que a sociedade de consumo impera, em que as confissões religiosas estão, aparentemente, na origem de inúmeros conflitos, em que os media nos enchem de informações que sabemos não serem completas nem fidedignas, dizer que estes são os males que nos atormentam é “chover no molhado”!
Claro está que, do ponto de vista cinematográfico, está bem feito, com uma imagem apelativa e bem integrada no contexto, com os picos de interesse e os momentos de pausa bem distribuídos e uma banda sonora que, por minimalista, se torna mais que eficaz.

Mas, a meio do segundo filme, recordei-me de uma outra vivência tida, faz anos.
Vim a saber que um companheiro de trabalho se tinha convertido ao islamismo. Curioso que sou sobre estes assuntos, pedi-lhe que me cedesse algum livro que me explicasse os seus credos, o que ele fez. Tratava-se de uma obra sobre o papel da mulher no Islão. Interessante, pensei.
Mas vim a descobrir, em lendo-o, que os primeiros três quartos da obra se dedicavam a afirmar em como as restantes confissões religiosas maltratavam a mulher. E só mesmo o fim vinha em defesa dos seus próprios conceitos e abordagens. Com as que não consegui concordar, diga-se de passagem.
Mas conceber uma obra que, para elogiar algo, começa por destruir tudo o resto em redor não é, do meu ponto de vista, uma boa forma de argumentação. É dizer, em poucas palavras, “Nós somos bons porque os restantes são maus!”. Ou, se se preferir, a primeira abordagem é destrutiva. E, convenhamos, de destruição estamos nós fartos.

Este filme faz algo de semelhante: apresenta uma visão quase que apocalíptica da sociedade actual, usando de estratégias mais que batidas, como seja apresentar um inimigo ou adversário mas não lhe dar um nome ou cara mas tão só uma sombra ou esboço. E nestas definições, muitos cabem. E recordem-se das estratégias Estalinistas ou Hitlerianas e ver-se-á as semelhanças: regimes de medo com líderes ou conceitos por salvação!
Indo mais longe, mas com o mesmo tipo de estratégia, pega em factos palpáveis do quotidiano e, em torno deles, tece um conjunto de teorias com base em afirmações vagas e testemunhos não confirmáveis.
Para usar uma expressão em voga nos nossos tempos, trata-se de uma “teoria da conspiração”.
E o seu perigo, se o tiver, é em estar muito bem feita. Foi fácil levar um céptico como eu na conversa. Devagarinho, de inicio, foi destruindo as minhas defesas, entranhando-se em profundidade. E, não fora o final do segundo, mal amanhado e tosco no que a conceitos concerne, e quase me teria convencido.
E esse perigo a que me refiro não está nos conceitos de males da sociedade que por lá constam. Na sua essência, concordo com tudo. O perigo está em que, das mais de meia centena de referências e incentivos que recebi para o ver, a esmagadora maioria referia-se a ele em tom baixo, conspirativo, a medo. Quase que com receio que se soubesse que o estavam a recomendar. E, pior ainda, com medo do que ele anuncia, do apocalipse quase inevitável, a menos que se siga a linha no final preconizada. Linha esta mal-amanhada e em tom quase profético. E que, de um jeito ou outro me fez lembrar as diversas campanhas eleitorais das diversas formações políticas que conhecemos por cá e não só.
Mas o medo a roçar o pânico que vi em cidadãos mais ou menos comuns, razoavelmente instruídos e informados assustou-me. Que o terror não se cria só por via de bombas e estropiados. Nem só com policias políticas ou de pensamento. Que a forma mais fácil de levar uma sociedade para um dado rumo é nela criar medos de algo e apresentar soluções mágicas ou salvadoras. O que acaba por ser o que este filme “Zeitgeist” faz.

Apesar de lhe reconhecer qualidades cinematográficas e de lhe ter que dar razão nos males que aponta, a solução para isso mesmo não é, pela certa, messiânica, em que se segue a linha salvadora ou se está condenado para todo o sempre (neste filme fala-se a curto prazo).
Passa, antes sim, por reconhecer o que de errado acontece e intervir a cada momento no nosso círculo de influência. Abandonar a posição confortável e conformista em que “É cada um por si que não posso mudar o mundo”, e assumir que o mundo de cada um pode ser mudado, assim tenhamos a coragem de o fazer e assumir as consequências de agir.

Há quem espere pela chegada do Messias, quem fale em paraísos, com ou sem virgens à nossa espera, quem defenda as reencarnações ou ainda quem espere a chegada dos extra-terrestres, qual brigada de limpeza.
Mas quantos são os que arregaçam as mangas e fazem algo, hoje, no prédio, no bairro, no país?

Em jeito de conclusão, sempre acrescento que é fácil fazer propaganda e manipular opiniões. Ou não tivesse eu o ofício que tenho!



Texto e imagem: by me

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