“E se, de repente, alguém lhe oferecer flores, isso é Impulse!”
Recordam-se desta frase publicitária? Pois hoje reescrevi-a ou, se preferirem, recriei-a!
Nada de flores que, ainda que contendo uma carga romântica, não passam de cadáveres. E oferecer cadáveres, por bonitos e aromáticos que possam ser, não me parece que seja do que haja de mais bonito ou simpático.
Também não se tratou de um impulso romântico, ainda que a quem se destinou a oferta repentina se tratasse de uma mocinha. Ou senhora, não o sei ao certo.
Mas eu conto:
No comércio aqui do bairro e que frequento não sou pessoa desconhecida. Não apenas pelo aspecto - invulgar, eu sei – mas também por algumas saídas ou atitudes não muito comuns. Sobre plásticos e a questão da reutilização ou reciclagem e sobre possuir ou não cartão de cliente. Esta última tem deixado muitas funcionárias de caixa embasbacadas. Que todo o mundo procura como obter descontos, enquanto eu recuso pertencer a mais uma base de dados. E vou-o argumentando, meio a brincar, meio a sério.
Hoje, no supermercado, ouvi a pergunta do costume, automática e obrigatória que é: “Tem cartão tal?” E, perante a minha contra pergunta se seria obrigatório e a natural resposta que não, acrescento que não quero ser mais um nas bases de dados que, num futuro talvez não tão distante, me imponham este ou aquele tipo de consumo.
Qual a minha surpresa, e sorriso já agora, quando quem ía registando as minhas compras me disse também com um sorriso que se recordava de eu já lho ter dito. Enquanto se faziam pagamentos e trocos, perguntei-lhe como complemento se conhecia a obra “1984” de Georges Orwell.
Perante a negação sugeri-lhe que a lesse, à venda em qualquer livraria de mediana qualidade. E a resposta deixou-me triste. “Procuro na Internet, que não tenho muito paciência para ler.”
Ainda lhe perguntei se gostava de ver filmes, pensando eu em piratear a versão que aqui tenho (legalíssima, diga-se de passagem, que é filme que assim quero, todo por inteiro). Em resposta oiço que também não havia paciência para estar sentada, quieta, a ver um filme.
Ainda lhe disse que não acreditava que encontrasse uma versão escrita em português na web, mas que talvez, com sorte, em inglês.
E a conversa ficou por aqui, que as compras estavam feitas e pagas e havia mais clientes na fila. Mas não sem que, antes e num velho bilhete de autocarro, lhe tivesse pedido o seu e-mail.
Enquanto caminhava em direcção a casa, o plano foi-se concretizando! Em lá chegando, meti mãos à obra!
Como suspeitava, não encontrei nenhuma versão portuguesa na web. Mas acabei por dar com o DVD, algures numa prateleira entre muitos. Que o meu PC me disse levar umas boas duas horas a trata-lo convenientemente. Mas o impulso não tinha ficado por aqui. Nem o plano.
Nova pesquisa na web e dei com o número de telefone da livraria local, E, sim senhor, tinham o pretendido e que mo guardariam. Lá fui e, meia hora depois, regressava com a obra, impressa em português, para ser lida e degustada. E estava de novo na fila da mesma caixa, com uma garrafa de vinho na mão. É sempre algo que vale a pena comprar, mesmo que não seja de consumo imediato ou a prazo previsível. Nunca dura muito.
Não aceitou o livro, que as caixas dos supermercados não podem aceitar presentes ou equivalentes enquanto no posto de trabalho, mas lá o fui deixar na recepção em seu nome.
Espero que tenha a curiosidade de o ler e a coragem de o levar até ao fim. Tal como espero que não entenda este impulso como uma “estratégia de engate”.
Mas este prazer de dar um livro, o livro certo, a uma quase estranha que nem sei se tornarei a ver (os empregos como caixa de supermercado são o que se sabe)… Bem, é um prazer novo e delicioso.
Mas também fico à espera de ter novos e verdadeiros impulsos semelhantes. Que isto da cultura não se vende nem se compra: partilha-se e usufrui-se. Tanto mais se houver uma mensagem inclusa para além da estética implícita e explícita na obra.
Recomenda-se o acto! Que é bem melhor que um cadáver!
Texto: by me
Imagem: frame do inicio do filme citado
Recordam-se desta frase publicitária? Pois hoje reescrevi-a ou, se preferirem, recriei-a!
Nada de flores que, ainda que contendo uma carga romântica, não passam de cadáveres. E oferecer cadáveres, por bonitos e aromáticos que possam ser, não me parece que seja do que haja de mais bonito ou simpático.
Também não se tratou de um impulso romântico, ainda que a quem se destinou a oferta repentina se tratasse de uma mocinha. Ou senhora, não o sei ao certo.
Mas eu conto:
No comércio aqui do bairro e que frequento não sou pessoa desconhecida. Não apenas pelo aspecto - invulgar, eu sei – mas também por algumas saídas ou atitudes não muito comuns. Sobre plásticos e a questão da reutilização ou reciclagem e sobre possuir ou não cartão de cliente. Esta última tem deixado muitas funcionárias de caixa embasbacadas. Que todo o mundo procura como obter descontos, enquanto eu recuso pertencer a mais uma base de dados. E vou-o argumentando, meio a brincar, meio a sério.
Hoje, no supermercado, ouvi a pergunta do costume, automática e obrigatória que é: “Tem cartão tal?” E, perante a minha contra pergunta se seria obrigatório e a natural resposta que não, acrescento que não quero ser mais um nas bases de dados que, num futuro talvez não tão distante, me imponham este ou aquele tipo de consumo.
Qual a minha surpresa, e sorriso já agora, quando quem ía registando as minhas compras me disse também com um sorriso que se recordava de eu já lho ter dito. Enquanto se faziam pagamentos e trocos, perguntei-lhe como complemento se conhecia a obra “1984” de Georges Orwell.
Perante a negação sugeri-lhe que a lesse, à venda em qualquer livraria de mediana qualidade. E a resposta deixou-me triste. “Procuro na Internet, que não tenho muito paciência para ler.”
Ainda lhe perguntei se gostava de ver filmes, pensando eu em piratear a versão que aqui tenho (legalíssima, diga-se de passagem, que é filme que assim quero, todo por inteiro). Em resposta oiço que também não havia paciência para estar sentada, quieta, a ver um filme.
Ainda lhe disse que não acreditava que encontrasse uma versão escrita em português na web, mas que talvez, com sorte, em inglês.
E a conversa ficou por aqui, que as compras estavam feitas e pagas e havia mais clientes na fila. Mas não sem que, antes e num velho bilhete de autocarro, lhe tivesse pedido o seu e-mail.
Enquanto caminhava em direcção a casa, o plano foi-se concretizando! Em lá chegando, meti mãos à obra!
Como suspeitava, não encontrei nenhuma versão portuguesa na web. Mas acabei por dar com o DVD, algures numa prateleira entre muitos. Que o meu PC me disse levar umas boas duas horas a trata-lo convenientemente. Mas o impulso não tinha ficado por aqui. Nem o plano.
Nova pesquisa na web e dei com o número de telefone da livraria local, E, sim senhor, tinham o pretendido e que mo guardariam. Lá fui e, meia hora depois, regressava com a obra, impressa em português, para ser lida e degustada. E estava de novo na fila da mesma caixa, com uma garrafa de vinho na mão. É sempre algo que vale a pena comprar, mesmo que não seja de consumo imediato ou a prazo previsível. Nunca dura muito.
Não aceitou o livro, que as caixas dos supermercados não podem aceitar presentes ou equivalentes enquanto no posto de trabalho, mas lá o fui deixar na recepção em seu nome.
Espero que tenha a curiosidade de o ler e a coragem de o levar até ao fim. Tal como espero que não entenda este impulso como uma “estratégia de engate”.
Mas este prazer de dar um livro, o livro certo, a uma quase estranha que nem sei se tornarei a ver (os empregos como caixa de supermercado são o que se sabe)… Bem, é um prazer novo e delicioso.
Mas também fico à espera de ter novos e verdadeiros impulsos semelhantes. Que isto da cultura não se vende nem se compra: partilha-se e usufrui-se. Tanto mais se houver uma mensagem inclusa para além da estética implícita e explícita na obra.
Recomenda-se o acto! Que é bem melhor que um cadáver!
Texto: by me
Imagem: frame do inicio do filme citado
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