quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Raisparta a competitividade






São vários os motivos que podem levar alguém para um projecto fotográfico.

Da estética à mensagem, do registo sistemático ao impulso do momento.

Há quase quinze anos comecei um que fui mantendo durante mais de dois anos. Intitulei-o de “Raisparta a competitividade”.

Surgiu ou nasceu da estética: um pedaço de sol que entrava por uma vidraça suja e iluminava o interior de uma padaria à moda antiga, abandonada, com prateleiras em mármore e resguardos em aço.

A fotografia não ficou má de todo mas levou-me a pensar nas mudanças sociais em geral: um bairro antigo deixa fechar o lugar onde se vende pão, coisa que todos compram. Porquê fechar e quais as alternativas impostas ou preferenciais dos residentes no bairro.

Daqui a fazer a recolha de imagens, sempre pela montra ou tão só a montra foi pouco mais que um passo. Sempre sem outro texto que não a identificação do tipo de comércio que ali tinha existido: ex-padaria, ex-pronto a vestir, ex-dorgaria...

Algumas identificações eram fáceis: ou porque conhecia o local, ou porque havia pistas como as inscrições num toldo, autocolantes nos vidros, publicidades nos interiores... mas de outros nada havia que os identificasse.

Recorria então a outros comerciantes próximos a quem fazia algumas perguntas e referindo a razão de ser de as fazer. Foi aqui que a porca  começou a torcer o rabo. Que as queixas, os desabafos, o antever de negros futuros foram mais que muitos. Alguns chegaram mesmo a dizer para voltar dali a um ano ou dois, que aquela local seria mais um para registar. Fui ombro para muitos lamentos.

Com o surgimento das grandes superfícies e dos centros comerciais, este tipo de comércio continua a desaparecer paulatinamente, apesar dos nomes pomposos que vão sendo criados: comércio tradicional ou lojas com história.

Mas, de algum modo vão-se eclipsando, incluindo as padarias.

Tenho que admitir que foi dos projectos fotográficos a que me propus que mais me doeu. Pelo implícito e pelo explícito. Que, por cada loja que fecha são, no mínimo, duas pessoas que perdem sustento. As mais das vezes em idades em que será difícil, senão impossível, de encontrar alternativas.

E a responsabilidade está nesta sociedade em que a competitividade exacrebada é algo que é incutido desde muito novo. Mesmo ainda antes da primeira classe.

E fecham-se lojas e empresas como quem deita fora a embalagem do yogurt, sem mesmo pensar em reciclagem. Ou derrubam-se bairros de barracas. Ou fecham-se praias.

O pão, esse, passou a vender-se nos supermercados e pastelarias, ficando rijo no dia seguinte.

Raisparta a competividade!


By me

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